quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Por uma cultura da prevenção

O incêndio que deixou 231 mortos, além de 76 pessoas feridas ainda em estado gravíssimo, em Santa Maria desencadeou uma onda de reações de agentes públicos. Busca-se evitar a repetição da tragédia. O país ganhará se, da comoção em torno do infortúnio, forem tiradas não apenas lições, mas, principalmente, medidas que visem implantar uma verdadeira e duradoura cultura da prevenção entre nós.

Legislar sobre o funcionamento de casas noturnas tem sido até agora atribuição de órgãos estaduais e, mais frequentemente, municipais. Apenas algumas normas técnicas de segurança – como as da ABNT – têm alcance nacional. Constata-se que o ideal é a criação de uma legislação de cunho federal, que sirva para, pelo menos, estreitar as chances para a ocorrência de novas tragédias.

Num país de dimensões continentais e realidades absurdamente díspares, a padronização das normas facilitaria o trabalho de prevenção e de fiscalização de todos. Restritas apenas às órbitas estaduais e municipais, muitas vezes as iniciativas de segurança descambam para os meandros de burocracia e acabam se convertendo em oportunidades de corrupção.

Mais importante, porém, que legislar será garantir que as normas sejam rigorosamente cumpridas, o que não é comum no país. A comoção do momento não pode ser aplacada com mera fúria legislante, logo suplantada pela leniência e pela negligência dos que devem executar as leis.

Tragédias ocorridas em outros lugares do mundo podem fornecer aprendizados e apontar caminhos a seguir. Um incêndio ocorrido numa casa noturna de Rhode Island há dez anos, por exemplo, legou regulamentos antifogo ainda mais rigorosos aos Estados Unidos, país que há mais de um século já buscava prevenir com vigor ocorrências desta natureza.

Como consequência, por exemplo, todas as casas noturnas norte-americanas com capacidade para mais de 100 pessoas tiveram que instalar chuveirinhos anti-incêndio nos tetos. Além disso, fogos de artifício passaram a ser admitidos apenas em locais com mais de 930 metros quadrados, mostra a Folha de S.Paulo.

Da Argentina, também podem ser tomados ensinamentos para prevenir tragédias. Lá, um incêndio numa casa noturna superlotada no penúltimo dia de 2004 deixou 194 mortos e mais de mil feridos. Além da interdição de quase 140 estabelecimentos em Buenos Aires, o país vizinho rapidamente aprontou uma férrea legislação preventiva após o acidente.

Algumas das medidas poderiam ser aproveitadas por aqui: divulgação das informações sobre as condições de segurança dos estabelecimentos na internet; obrigatoriedade de divulgação ostensiva relativa ao número máximo de pessoas permitidas na casa; reforço da sinalização interna indicando saídas de emergência.

Voltando ao Brasil, o que se tem são as velhas delongas de sempre. O Globo noticia hoje que um grupo de especialistas sugeriu, ainda em 2009, a criação de um código nacional de segurança contra incêndio ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Seria decorrência de um projeto contratado em 2005, intitulado Brasil sem Chamas. O estudo, porém, só será concluído no mês que vem. É de se questionar: por que tamanha demora?

Assim, as ações preventivas continuam restritas à órbita local. Neste momento, agem corretamente os prefeitos que determinaram inspeções em massa dos estabelecimentos noturnos e casas de espetáculos existentes em suas cidades. Mas, em seguida, a revisão das atuais normas gerais de funcionamento e a adoção de legislação de alcance nacional serão imprescindíveis.

O país ganhará com a uniformização das regras de prevenção a acidentes, valendo-se, inclusive, também da experiência dolorosa de outros países. Quem sabe não surge daí uma nova cultura que não se limite a evitar que a tragédia de Santa Maria se repita, mas que também ajude o Brasil a deixar para trás nefastas práticas cotidianas que só conspiram contra a segurança e o bem-estar de seus cidadãos.

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