sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Voo arriscado

O governo brasileiro encerrou ontem uma novela comercial que se arrastava há 12 anos. Serão torrados R$ 10,5 bilhões na compra de caças para a Força Aérea Brasileira (FAB). O negócio é grande e envolve aspectos positivos. Mas também pesaram na escolha fatores que deveriam ficar alheios a decisão tão estratégica.

A transação envolve a compra de 36 aeronaves modelo Gripen NG da fabricante sueca Saab. As primeiras unidades deverão começar a ser entregues em 2018, quatro anos depois de vencidos os trâmites pelos quais o contrato ainda terá de passar. Por este primeiro lote de caças, o governo brasileiro pagará US$ 4,5 bilhões. A encomenda poderá chegar a 124 unidades até o fim da próxima década.

A decisão de comprar os aviões data do governo Fernando Henrique, como parte de um programa batizado de Fortalecimento do Controle do Espaço Aéreo Brasileiro. Na época, previa-se a compra de 12 a 24 caças, número depois aumentado no governo Lula. A escolha demorou tanto que caças usados comprados em 2005 junto à França para evitar o desaparelhamento da FAB já caducaram e serão aposentados amanhã...

Outros dois modelos disputavam com a Saab: o F-18 Super Homet, da americana Boeing, e o Rafale, da francesa Dassault. Preferido da Aeronáutica, o caça escolhido é uma nova versão, ainda em desenvolvimento, da linha fabricada pela empresa sueca. Ocorre que, atualmente, apenas o governo da Suécia encomendou unidades do Gripen NG. O da Suíça está em processo e o Brasil será o terceiro a adquirir.

O Gripen NG nunca foi testado em operações e, por enquanto, a empresa sueca só dispõe de um protótipo com apenas 300 horas de voo, informa O Globo. “As aeronaves ainda não foram experimentadas em nada”, diz o especialista Expedito Carlos Bastos, pesquisador de assuntos militares da Universidade Federal de Juiz de Fora, ouvido pelo jornal.

Entre as vantagens apontadas ontem pelo Ministério da Defesa para justificar a escolha estão preço (menor dos três concorrentes), financiamento e custo de manutenção. Mas um dos aspectos tidos como fundamentais para a decisão ainda é mera expectativa futura: a transferência de tecnologia esperada com o negócio é nebulosa. Afinal, trata-se de uma aeronave que sequer existe de fato.

Outro fator estranho a uma decisão desta envergadura foi a desclassificação dos caças ofertados pela americana Boeing. Em setembro passado, o governo brasileiro deu sinais de que estaria prestes a escolhê-los e preparou-se até para fazer o anúncio, em visita que Dilma Rousseff tinha agendado aos EUA e depois foi cancelada.

Entretanto, a descoberta de que a presidente brasileira fora alvo de espionagem norte-americana não só adiou o anúncio, como jogou por água abaixo as chances da Boeing. Ou seja, uma decisão estratégica e de longo prazo acabou sendo contaminada por fatores conjunturais. “O Gripen acabou sendo escolhido mais pelos erros e defeitos dos adversários que por suas qualidades”, sintetiza O Globo.

Como tudo o que envolve decisões no governo do PT, aspectos político-partidários também pesaram na escolha dos suecos. Um dos garotos-propaganda mais ativos da Saab junto às equipes escaladas para cuidar do assunto no governo brasileiro foi o prefeito petista de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho. “O prefeito atraiu para a causa dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e da CUT”, informa o Valor Econômico. Com isso, parte do Gripen poderá ser fabricada lá no município, gerando 1,8 mil empregos e negócios da ordem de US$ 15 bilhões.

É fato que as forças armadas brasileiras vivem hoje em estado de penúria. A Aeronáutica, por exemplo, trabalha em regime de meio expediente, para poupar custos com a manutenção da tropa. Dos seus 219 caças, apenas um terço está em operação, segundo publicou O Estado de S.Paulo em novembro. Os problemas se repetem no Exército e na Marinha.

São razões que reforçam a urgência da modernização e da necessidade de recuperação operacional do setor militar nacional e até ajudam a justificar o alto investimento agora feito nos caças. 

Fica a dúvida, porém, se o projeto sueco-brasileiro não poderá vir a repetir o que aconteceu com o AMX: nascido para ser uma produção conjunta com a Itália para ser exportado para todo o mundo, o caça hoje só está sendo utilizado pelos dois países. Resta torcer para que, com o Gripen, seja diferente.

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