O governo brasileiro
encerrou ontem uma novela comercial que se arrastava há 12 anos. Serão torrados
R$ 10,5 bilhões na compra de caças para a Força Aérea Brasileira (FAB). O
negócio é grande e envolve aspectos positivos. Mas também pesaram na escolha
fatores que deveriam ficar alheios a decisão tão estratégica.
A transação envolve
a compra de 36 aeronaves modelo Gripen NG da fabricante sueca Saab. As
primeiras unidades deverão começar a ser entregues em 2018, quatro anos depois
de vencidos os trâmites pelos quais o contrato ainda terá de passar. Por este
primeiro lote de caças, o governo brasileiro pagará US$ 4,5 bilhões. A encomenda
poderá chegar a 124 unidades até o fim da próxima década.
A decisão de comprar
os aviões data do governo Fernando Henrique, como parte de um programa batizado
de Fortalecimento do Controle do Espaço Aéreo Brasileiro. Na época, previa-se a
compra de 12 a 24 caças, número depois aumentado no governo Lula. A escolha
demorou tanto que caças usados comprados em 2005 junto à França para evitar o
desaparelhamento da FAB já caducaram e serão aposentados amanhã...
Outros dois modelos
disputavam com a Saab: o F-18 Super Homet, da americana Boeing, e o Rafale, da
francesa Dassault. Preferido da Aeronáutica, o caça escolhido é uma nova versão,
ainda em desenvolvimento, da linha fabricada pela empresa sueca. Ocorre que, atualmente,
apenas o governo da Suécia encomendou unidades do Gripen NG. O da Suíça está em
processo e o Brasil será o terceiro a adquirir.
O Gripen NG nunca
foi testado em operações e, por enquanto, a empresa sueca só dispõe de um
protótipo com apenas 300 horas de voo, informa O Globo. “As aeronaves ainda não foram experimentadas em nada”, diz o especialista
Expedito Carlos Bastos, pesquisador de assuntos militares da Universidade Federal
de Juiz de Fora, ouvido pelo jornal.
Entre as vantagens
apontadas ontem pelo Ministério da Defesa para justificar a escolha estão preço
(menor dos três concorrentes), financiamento e custo de manutenção. Mas um dos aspectos
tidos como fundamentais para a decisão ainda é mera expectativa futura: a
transferência de tecnologia esperada com o negócio é nebulosa. Afinal, trata-se
de uma aeronave que sequer existe de fato.
Outro fator estranho
a uma decisão desta envergadura foi a desclassificação dos caças ofertados pela
americana Boeing. Em setembro passado, o governo brasileiro deu sinais de que
estaria prestes a escolhê-los e preparou-se até para fazer o anúncio, em visita
que Dilma Rousseff tinha agendado aos EUA e depois foi cancelada.
Entretanto, a
descoberta de que a presidente brasileira fora alvo de espionagem
norte-americana não só adiou o anúncio, como jogou por água abaixo as chances
da Boeing. Ou seja, uma decisão estratégica e de longo prazo acabou sendo
contaminada por fatores conjunturais. “O Gripen acabou sendo escolhido mais
pelos erros e defeitos dos adversários que por suas qualidades”, sintetiza O Globo.
Como tudo o que
envolve decisões no governo do PT, aspectos político-partidários também pesaram
na escolha dos suecos. Um dos garotos-propaganda mais ativos da Saab junto às
equipes escaladas para cuidar do assunto no governo brasileiro foi o prefeito petista de
São Bernardo do Campo, Luiz Marinho. “O prefeito atraiu para a causa dirigentes
do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e da CUT”, informa o Valor Econômico. Com isso, parte do Gripen poderá ser fabricada lá no município,
gerando 1,8 mil empregos e negócios da ordem de US$ 15 bilhões.
É fato que as forças
armadas brasileiras vivem hoje em estado de penúria. A Aeronáutica, por
exemplo, trabalha em regime de meio expediente, para poupar custos com a
manutenção da tropa. Dos seus 219 caças, apenas um terço está em operação, segundo
publicou O Estado de S.Paulo em novembro. Os problemas se repetem no Exército e na
Marinha.
São razões que
reforçam a urgência da modernização e da necessidade de recuperação operacional
do setor militar nacional e até ajudam a justificar o alto investimento agora
feito nos caças.
Fica a dúvida, porém, se o projeto sueco-brasileiro não poderá
vir a repetir o que aconteceu com o AMX: nascido para ser uma produção conjunta
com a Itália para ser exportado para todo o mundo, o caça hoje só está sendo
utilizado pelos dois países. Resta torcer para que, com o Gripen, seja
diferente.
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