sábado, 8 de dezembro de 2012

A ver navios

Espera-se que o pacote para os portos anunciado ontem não seja só mais uma lista de boas intenções para desviar a atenção do público do mau desempenho geral da economia e dos desmandos éticos que marcam a gestão petista, inclusive nesta área. Há anos, o governo federal tem descuidado do setor portuário; chegou a hora de parar de errar. Navegar é preciso.

O pacote dos portos é, em princípio, positivo, por atacar um dos gargalos mais evidentes da infraestrutura brasileira. Entretanto, mais uma vez, as medidas vêm embaladas em controvérsias: alguns pontos têm similaridade com o choque imposto por Dilma Rousseff ao setor elétrico e prometem abrir novo flanco de disputas entre governo e empresários.

O governo anunciou a previsão de R$ 60 bilhões em investimentos na área portuária nos próximos cinco anos. Também decidiu incentivar empreendimentos privados e abrir os portos para todo tipo de cargas (próprias e de terceiros). Informou, ainda, que irá relicitar contratos já vencidos para exploração de 55 terminais.

Nestes dois últimos aspectos, a gestão federal repete o que acaba de fazer na área de energia: desfaz o que há pouco tempo fizera e ameaça quebrar contratos. A maior parte das medidas só será detalhada hoje em medida provisória a ser publicada. Nos detalhes, mora o risco de surgirem as celeumas cada vez mais típicas do governo atual.

Como no choque imposto ao setor elétrico, a gestão Dilma incorre em forte potencial de conflito com operadores que arrendaram terminais públicos localizados dentro dos portos antes de 1993. Havia expectativa de que estes contratos seriam renovados, permitindo a realização de R$ 10,3 bilhões em investimentos programados pelos atuais arrendatários. Agora, com as novas regras, o cenário é de briga na Justiça, o que pode comprometer até empreendimentos privados com que o governo conta para fazer o setor navegar.

Já a possibilidade de movimentação de cargas de terceiros estava suspensa até agora por causa de medida tomada pelo governo Lula. Decreto presidencial de 2008 impediu a construção de novos terminais privativos, exceto por empresas que demonstrassem ter carga própria suficiente para justificar o empreendimento, e resultou num enorme entrave ao setor, que a gestão atual ora promete rever. A atitude também é parecida com o que o governo do PT fez com a Reserva Geral de Reversão, um dos encargos incidentes nas tarifas de energia: prorrogou-a há dois anos e agora extinguiu-a.

Outra medida controversa é a que dá poder discricionário ao governo para conceder autorizações para a construção de novos portos. Antes, só entraves de natureza ambiental ou legal, por exemplo, poderiam justificar a negativa. Agora, o poder central terá a prerrogativa de só conceder novas autorizações que considere dentro do seu planejamento. Desnecessário dizer que se criou mais um imenso balcão para negociar quem pode e quem não pode investir no país.

Constata-se que o governo Dilma acerta no conteúdo, mas erra na forma. É unânime no país a avaliação de que nossa logística – que hoje compromete 13% das receitas das empresas brasileiras, em média – é deficiente e precisa ser muito melhorada. Os portos são parte importante deste gargalo, mas jamais receberam a atenção devida do PT.

Em dez anos, a participação do setor portuário nos investimentos em transportes feitos no país caiu à metade e passou a representar apenas 9,5% do total. O setor privado até tentou manter o ímpeto, mas, nos últimos dois anos, os investimentos públicos recuaram de R$ 2,2 bilhões para R$ 730 milhões, como mostrou O Estado de S.Paulo em agosto.

No caso das obras voltadas a preparar os portos brasileiros para receber turistas que visitarão o país durante a Copa do Mundo de 2014, nenhum centavo havia sido aplicado até agosto, de acordo com reportagem publicada pelo Valor Econômico à época. Pelo que se percebe em geral, pouco deve ter mudado desde então...

Relegados de tal forma, não surpreende que os portos sejam componente destacado do pernicioso “custo Brasil”. Segundo a Fundação Dom Cabral, o custo médio para exportar um contêiner no Brasil é de US$ 1.790, três vezes mais que em Cingapura. Em 2011, a qualidade dos portos brasileiros recuou sete posições no ranking do Fórum Econômico Mundial, colocando-os entre os 13 piores sistemas do mundo, num total de 142 países.

A divulgação do programa para destravar os investimentos nos portos brasileiros e incentivar a participação privada no setor era prometida pela gestão Dilma desde agosto. Um dos motivos para as inúmeras postergações foram as irregularidades identificadas pela Operação Porto Seguro na liberação de autorizações de funcionamento de alguns terminais, que envolveram órgãos do setor como a Antaq.

O setor portuário tem um histórico de falcatruas e tem se revelado feudo de políticos que se aproveitam das conhecidas dificuldades para se movimentar cargas no país para traficar facilidades. Passa da hora de acabar com mais esta cultura do atraso. A dúvida é se a gestão Dilma Rousseff conseguirá executar este programa modernizante, ou se, como sói acontecer, ficará mais uma vez apenas a ver navios.

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