O pacote dos portos
é, em princípio, positivo, por atacar um dos gargalos mais evidentes da
infraestrutura brasileira. Entretanto, mais uma vez, as medidas vêm embaladas
em controvérsias: alguns pontos têm similaridade com o choque imposto por Dilma
Rousseff ao setor elétrico e prometem abrir novo flanco de disputas entre
governo e empresários.
O governo anunciou a
previsão de R$ 60 bilhões em investimentos na área portuária nos próximos cinco
anos. Também decidiu incentivar empreendimentos privados e abrir os portos para
todo tipo de cargas (próprias e de terceiros). Informou, ainda, que irá
relicitar contratos já vencidos para exploração de 55 terminais.
Nestes dois últimos
aspectos, a gestão federal repete o que acaba de fazer na área de energia:
desfaz o que há pouco tempo fizera e ameaça quebrar contratos. A maior parte
das medidas só será detalhada hoje em medida provisória a ser publicada. Nos detalhes,
mora o risco de surgirem as celeumas cada vez mais típicas do governo atual.
Como no choque
imposto ao setor elétrico, a gestão Dilma incorre em forte potencial de
conflito com operadores que arrendaram terminais públicos localizados dentro
dos portos antes de 1993. Havia expectativa de que estes contratos seriam
renovados, permitindo a realização de R$ 10,3 bilhões em investimentos
programados pelos atuais arrendatários. Agora, com as novas regras, o cenário é
de briga na Justiça, o que pode comprometer até empreendimentos privados com que o
governo conta para fazer o setor navegar.
Já a possibilidade
de movimentação de cargas de terceiros estava suspensa até agora por causa de medida
tomada pelo governo Lula. Decreto presidencial de 2008 impediu a construção de
novos terminais privativos, exceto por empresas que demonstrassem ter carga
própria suficiente para justificar o empreendimento, e resultou num enorme
entrave ao setor, que a gestão atual ora promete rever. A atitude também é parecida
com o que o governo do PT fez com a Reserva Geral de Reversão, um dos encargos incidentes
nas tarifas de energia: prorrogou-a há dois anos e agora extinguiu-a.
Outra medida controversa
é a que dá poder discricionário ao governo para conceder autorizações para a construção
de novos portos. Antes, só entraves de natureza ambiental ou legal, por
exemplo, poderiam justificar a negativa. Agora, o poder central terá a
prerrogativa de só conceder novas autorizações que considere dentro do seu planejamento.
Desnecessário dizer que se criou mais um imenso balcão para negociar quem pode
e quem não pode investir no país.
Constata-se que o
governo Dilma acerta no conteúdo, mas erra na forma. É unânime no país a avaliação
de que nossa logística – que hoje compromete 13% das receitas das empresas
brasileiras, em média – é deficiente e precisa ser muito melhorada. Os portos
são parte importante deste gargalo, mas jamais receberam a atenção devida do
PT.
Em dez anos, a
participação do setor portuário nos investimentos em transportes feitos no país
caiu à metade e passou a representar apenas 9,5% do total. O setor privado até
tentou manter o ímpeto, mas, nos últimos dois anos, os investimentos públicos
recuaram de R$ 2,2 bilhões para R$ 730 milhões, como mostrou O
Estado de S.Paulo em agosto.
No caso das obras
voltadas a preparar os portos brasileiros para receber turistas que visitarão o
país durante a Copa do Mundo de 2014, nenhum centavo havia sido aplicado até
agosto, de acordo com reportagem publicada pelo Valor
Econômico à época. Pelo que se percebe em geral, pouco deve ter mudado
desde então...
Relegados de tal
forma, não surpreende que os portos sejam componente destacado do pernicioso “custo
Brasil”. Segundo a Fundação Dom Cabral, o custo médio para exportar um
contêiner no Brasil é de US$ 1.790, três vezes mais que em Cingapura. Em 2011,
a qualidade dos portos brasileiros recuou sete posições no ranking do Fórum
Econômico Mundial, colocando-os entre os 13 piores sistemas do mundo, num total de
142 países.
A divulgação do
programa para destravar os investimentos nos portos brasileiros e incentivar a
participação privada no setor era prometida pela gestão Dilma desde agosto. Um dos
motivos para as inúmeras postergações foram as irregularidades identificadas
pela Operação Porto Seguro na liberação de autorizações de funcionamento de
alguns terminais, que envolveram órgãos do setor como a Antaq.
O setor portuário
tem um histórico de falcatruas e tem se revelado feudo de políticos que se aproveitam
das conhecidas dificuldades para se movimentar cargas no país para traficar
facilidades. Passa da hora de acabar com mais esta cultura do atraso. A dúvida é
se a gestão Dilma Rousseff conseguirá executar este programa modernizante, ou
se, como sói acontecer, ficará mais uma vez apenas a ver navios.
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