O prêmio é uma
espécie de Nobel das ciências sociais e humanas, uma vez que a academia sueca
não agracia quem se dedica a disciplinas desta área do conhecimento. Apenas
sete pessoas haviam recebido o John W. Kluge até hoje. Descrito como “um
estudioso de enorme energia intelectual”, Fernando Henrique é o primeiro
ganhador cujos trabalhos abarcam os campos da sociologia, da ciência política e
da economia.
No rigoroso texto em
que anunciou, em maio, o premiado deste ano (que merece ser lido na íntegra), a Biblioteca
do Congresso americano justificou assim a escolha: “Sua análise científica das
estruturas sociais de governo, relações de economia e raça no Brasil lançou as
bases intelectuais para sua liderança como presidente na transformação do país
de uma ditadura militar com inflação alta em uma democracia vibrante e mais
inclusiva, com forte crescimento econômico.”
O prêmio Kluge
existe desde 2003 – quando laureou o filósofo polonês Leszek Kolakowski – e escolhe
quem exibe “compreensão da experiência humana”. Não tem periodicidade fixa e
desde 2008 não era concedido. Em três das quatro ocasiões anteriores, a
premiação foi dividida entre dois ganhadores. Desta vez, o homem que governou o
Brasil entre 1995 e 2002 foi agraciado sozinho, escolhido por meio de consulta
a cerca de 3 mil intelectuais e pessoas públicas em todo o mundo. Sinal de
distinção.
Fernando Henrique
merece todo o reconhecimento internacional pela forma como conduziu o Brasil em
seus dois mandatos. Nos oito anos de seu governo, o país teve suas estruturas
profundamente alteradas. Uma revolução silenciosa dizimou a hiperinflação que
por décadas ceifou o horizonte dos brasileiros, modernizou as estruturas de
produção, quebrou o círculo vicioso da pobreza e elevou o nível de vida da
nossa população.
A lista de
realizações é longa, começando pela implantação do Plano Real, que Fernando
Henrique conduziu ainda como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco. A
estabilidade da moeda reduziu a desigualdade social, abriu as portas do mercado
de consumo para milhões de brasileiros e deu-lhes mais dignidade e qualidade de
vida.
Passa também pelas privatizações,
que, junto com a estabilização da economia, trouxeram mais oportunidades e
conforto a milhões de pessoas e desataram alguns dos nós que travavam o avanço
do país. E inclui a montagem de uma vasta rede de proteção social, focada na
emancipação dos mais pobres e não na perpetuação de sua dependência ao Estado.
Mas o ímpeto de Fernando
Henrique não parou aí. Reformas estruturais legaram ao país instituições mais
sólidas, independentes, democráticas. Em sua gestão, tanto o poder público
quanto o setor privado tiveram de se tornar mais transparentes e responsáveis
perante os cidadãos. Políticas públicas inovadoras, como a Lei de Responsabilidade
Fiscal e o Proer, deram solidez ao país e hoje tornaram-se paradigmas mundiais.
Em suma, com a sua presidência, o Brasil ascendeu à condição de grande nação.
O rigor analítico do
intelectual sobre processos políticos, econômicos e sociais iluminou as políticas
e ações do governante, o que torna Fernando Henrique caso ímpar no mundo. “Talvez a maior prova de sua
realização intelectual é que seus sucessores continuaram muitas de suas
políticas e asseguraram seu legado como um dos maiores líderes do Brasil”,
completa o texto divulgado pela Biblioteca do Congresso americano em maio.
Aos 81 anos, com 23 livros
acadêmicos publicados e escolhido pela Foreign
Policy um dos cem intelectuais públicos mais importantes do mundo, o
presidente continua suas atividades, inquieto, provocativo e inovador. Dedica-se
a temas como políticas internacionais antidrogas e formas mais humanitárias de
tratamento da aids. “Continuo a tentar fazer minha pequena parte, ainda
contando com as reservas da razão e da emoção”, disse
ele, na cerimônia de premiação, em Washington.
Nunca antes na história, havíamos tido um presidente dedicado a
provocar tantas e tão profundas transformações na vida do país, tantas e tão
relevantes repercussões no mundo. A trajetória da nação brasileira divide-se em
antes e depois de Fernando Henrique Cardoso. Seu governo preparou o Brasil para
as próximas gerações – e não para as próximas eleições, como voltou a ser praxe
nos anos recentes. Dia após dia, cresce o reconhecimento a seu legado. Nada mais
merecido.
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