Na reunião de cúpula
ocorrida em Mendoza, o periclitante bloco comercial formado por Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai ganhou novo sócio: a República Bolivariana da Venezuela. O ingresso
do país comandado ditatorialmente pela mesma pessoa há quase 13 anos só foi
possível porque os demais sócios suspenderam os paraguaios do Mercosul sob a alegação
de que a ascensão do novo governo de Assunção tisnou princípios democráticos. Quanta
contradição...
O Senado paraguaio
era o único que resistia a aprovar a entrada dos venezuelanos no bloco. Desde 2005
o ingresso do país de Hugo Chávez dependia do aval dos congressistas em
Assunção, uma vez que precisa ser ratificado por unanimidade pelos quatro membros. Com
a suspensão temporária do Paraguai do Mercosul, decidida há dez dias, o entrave
foi levantado e a porteira para a incorporação da Venezuela, aberta.
Surge daí a contradição:
o Paraguai está suspenso do bloco sob a alegação de que o impeachment de Lugo
representou “ruptura da ordem democrática”, conforme a manifestação oficial do
Itamaraty acerca da questão. É certo que a celeridade com que o processo
transcorreu em Assunção causou estranheza, mas a Constituição do Paraguai,
promulgada em 1992 e elaborada por uma assembleia eleita para tanto, não foi
afrontada. Não há, portanto, que se falar em “golpe”.
O que se assemelha
em tudo a um verdadeiro golpe é aproveitar-se da situação de excepcionalidade
por que passa o Paraguai para pôr dentro do Mercosul um sócio que os vizinhos –
por meio de seus representantes no Congresso – não desejavam. A decisão tomada
em Mendoza no fim de semana é, em tudo, discutível e pode ser legalmente
contestável.
Os países que acusam
o Parlamento paraguaio de ter produzido um
“golpe” contra Fernando Lugo usam
requintes de crueldade para penalizar e prejudicar Assunção. Por exemplo: quando
vier a ser reincorporado ao Mercosul, o que é previsto para daqui a nove meses,
o Paraguai não poderá reexaminar qualquer dos acordos e tratados que Chávez tiver
estabelecido com os demais sócios do bloco durante o período.
“O Paraguai terá que
aderir a tudo que for pactuado durante sua ausência", disse Luis Inácio
Adams, ministro-chefe da Advocacia Geral da União, no fim de semana ao Valor
Econômico. As decisões tomadas pelo Mercosul neste ínterim serão, pois,
empurradas goela abaixo dos paraguaios. Cabe, portanto, perguntar: quem,
afinal, está produzindo um golpe?
No sábado, a Folha
de S.Paulo mostrou que há fundamentos jurídicos sólidos para questionar
a decisão de Mendoza. O artigo 37 do Protocolo de Ouro Preto, que implantou o
bloco, diz que “as decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e
com a presença de todos os Estados partes”. Ou seja, sem o Paraguai, nem
pensar.
Para coroar, soube-se
ontem que Dilma Rousseff foi o artífice do estratagema que abriu as portas do
Mercosul para Chávez. O chanceler uruguaio veio a público informar que
Montevideo foi contra a entrada da Venezuela no bloco nas circunstâncias
atuais, isto é, aproveitando-se da suspensão temporária de um de seus
sócios-fundadores. De acordo com o relato, o Uruguai foi coagido pela
presidente brasileira a calar-se e avalizar o ardil.
“O chanceler Luis
Almagro [do Uruguai] garantiu ontem que, sem unanimidade, a decisão só foi
tomada em Mendoza por pressão direta da presidente Dilma Rousseff, não é
definitiva e, agora, será reavaliada juridicamente por seu governo”, resume O
Globo. Por meio do bolivariano Marco Aurélio Garcia, o Planalto negou a
versão uruguaia.
Pela decisão
anunciada neste fim de semana, a entrada da Venezuela no Mercosul só será
oficializada em 31 de julho, numa nova reunião dos países do bloco. Quem sabe
os uruguaios não consertam por lá a lambança feita por cá? Do contrário, o
bloco regional, que hoje já mal se aguenta sobre as pernas, terá agora que
viver a reboque de Hugo Chávez e seus bolivarianos. Alguém duvida que, nestas
condições, e de golpe em golpe, o Mercosul avança para um naufrágio?
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