Se um dia teve na
ideologia o seu esteio, hoje o PT baseia suas práticas no mais deslavado
fisiologismo que se tem notícia. Agora, nem o apoio de seus próprios correligionários
é obtido na base da convicção e da adesão desinteressada. Tudo é objeto de barganhas
e de escambo de nacos de poder. O que aconteceu ontem com Marta Suplicy é
apenas mais um capítulo desta saga de deplorável degradação política.
A senadora eleita
por São Paulo recebeu o Ministério da Cultura como moeda de troca para apoiar o
periclitante Fernando Haddad na disputa pela prefeitura paulistana. Ela substituirá
Ana de Hollanda, 13ª a deixar o ministério de Dilma Rousseff. Fechada na bacia
das almas do mercado eleitoral, a transação é tão explícita que chegaria a
constranger – isso se vergonha na cara houvesse.
Na mensagem em que
comunica a demissão de Ana do cargo, a presidente afirma
que Marta “dará prosseguimento às políticas públicas e aos projetos que estão
transformando a área da cultura nos últimos anos”. Provavelmente, Dilma está se
referindo à ruína que a agora ex-ministra denunciou há um mês em carta tornada
pública pelo jornal O
Globo. A degradação
que se apossou da centenária Biblioteca Nacional no Rio é a melhor tradução do
caos.
Tal como está, o Ministério
da Cultura só serve mesmo de butim no mercado de compra de apoios, não só político,
mas também no meio artístico. Dispõe de orçamento modesto, para dizer o mínimo:
são R$ 2,2 bilhões, que equivalem a 0,2% das despesas não financeiras da União
neste ano. Ainda assim, 20% deste valor foi tesourado pelo ajuste fiscal.
Marta assume um
ministério para o qual seu, digamos, maior atributo é ser mãe de dois músicos
de qualidades pra lá de duvidosa – também é ex-mulher de um senador notável por
interpretar a mesma música onde quer que o vento sopre... A intimidade dela com
o setor cultural é nula, mas sua afinidade com o mundo do vale-tudo petista é enciclopédica.
A senadora desembarca
no ministério uma semana após ter estreado na campanha petista em São
Paulo, depois de muito relutar. Seu apoio foi negociado a peso de ouro – dada a
pequenez do Ministério da Cultura na estrutura oficial, melhor seria dizer de
bronze – diretamente com Luiz Inácio Lula da Silva e com a atual presidente da
República. Dois encontros com Dilma (em 22 e 30 de agosto) e um almoço com Lula
(em 27 de agosto) selaram seu destino.
Marta toma posse amanhã
na pasta como quem vai para uma pós-graduação no exterior, com o agravante de não
ter nem uma vaga ideia na cabeça sobre o que fará lá. “Vou mergulhar no
ministério e descobrir o que fazer. Vou estudar”, respondeu
ela ontem, ao ser questionada sobre suas prioridades na Cultura. Pelo jeito, câmera
na mão não vai ter...
Não ter o menor conhecimento
sobre o assunto do qual seu ministério cuida é o de menos. Afinal, Marta não é
avis rara na Esplanada. Pelo contrário, este é o padrão na era petista. Desde Lula,
ministérios tornaram-se feudos amealhados entre os que se prestam a dar
sustentação ao projeto de poder do PT. Não surpreende que escassas tenham sido
as iniciativas realmente inovadoras surgidas em Brasília nestes últimos dez
anos.
Marta é apenas a
mais nova moeda deste baú de troca-troca no qual o PT baseia sua prática
política. Como Fernando Haddad e quase todos os candidatos petistas às
prefeituras das capitais não conseguem entusiasmar nem sua militância, o
partido do mensalão utiliza no mercado eleitoral o mesmo expediente que Lula empregou
para inchar sua base congressual: a compra explícita de apoio e voto. A
senadora paulista não é caso isolado.
Antes dela, ao PRB
já havia sido dado o Ministério da Pesca, ocupado por um Marcelo Crivella que
nem de minhoca, nem de anzol diz entender. Ao PP fora entregue a Secretaria
Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, como forma de mercadejar
o apoio de Paulo Maluf a Haddad. E a Aloizio Mercadante fora destinado o
Ministério da Educação, numa tentativa de evitar novas aloprações na campanha
eleitoral. Todas tenebrosas transações no toma lá, dá cá petista.
Constata-se que Dilma
Rousseff não só mergulhou na campanha eleitoral, como o faz de maneira exorbitante
e em franca colisão com a postura institucional e republicana que o cargo lhe
exige. Distribui cargos, usa rede nacional de rádio e TV para atacar adversários
e, no horário eleitoral, ameaça eleitores de deixar suas cidades à míngua caso
os candidatos petistas não vençam as eleições de outubro – como ocorreu tanto
em São Paulo, quanto em Belo Horizonte.
A presidente da República
não faz, porém, nada diferente do que Lula fez dois anos atrás para elegê-la. É
farinha do mesmo saco da escola da desfaçatez que forma alunos aplicados na cultura
do vale-tudo do PT. Nela, o que mais se faz é relaxar e gozar as benesses do
poder – do que Marta Suplicy entende bem. Respeitar o interesse
dos eleitores e dos cidadãos é o que menos conta neste nefasto mercado de barganhas.
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