O governo sustenta que,
neste momento, a atribuição de ouvir gente como Rosemary Nóvoa Noronha, os
irmãos Paulo e Rubens Vieira e José Weber de Holanda, o braço direito do braço
direito da presidente Dilma Rousseff na Advocacia-Geral da União (AGU), é da Polícia
Federal, e não do Congresso. Com base nisso, os governistas propuseram a ida
dos chefes deles ao Senado.
Mas, num caso de
polícia, quem tem muito a revelar é a arraia-miúda, quem pôs a mão na massa,
quem teceu no dia a dia as teias da corrupção no aparato estatal. É a partir do
que eles disserem que será possível, em sequência, chegar aos tubarões – que certamente existem e estão muito próximo dos mais estrelados gabinetes da
República. A hora, agora, é de ouvir os mequetrefes.
Rosemary Noronha,
por exemplo, poderá contar como atuava como faz-tudo de Luiz Inácio Lula da
Silva dentro e fora do Brasil. Como portava um superpassaporte que só as mais
altas autoridades – não era, formalmente, o caso dela – deveriam ter e por que
viajou a torto e a direito com o então presidente da República: foram 24 países
entre 2007 e 2010, que, além de passeios, lhe rederam R$ 62,9 mil em diárias.
Poderá explicar como
influenciou a indicação dos irmãos Vieira para a ANA e a Anac, de onde eles operavam
uma vasta rede de venda de pareceres oficiais para atender interessados
privados. A ex-chefe de gabinete do escritório da Presidência da República em
São Paulo poderá abrir a boca e aliviar suas tensões, que tanto temor causam
aos capas pretas petistas.
Quem também tem
muito a contar é José Weber de Holanda, que até ontem era o segundo na hierarquia
da AGU. Ele poderá falar, por exemplo, sobre suas perigosas ligações com o ex-senador
Gilberto Miranda, sua fixação por ilhas, seu empenho em liberar obras bilionárias
em paraísos ambientais.
Atuando na AGU, Weber
ajudou o polêmico político a manter a Ilha das Cabras, em Ilhabela (SP), cuja
ocupação é objeto de contestação no Supremo Tribunal Federal. Informa O
Globo que um parecer de Weber deu origem a pedido da AGU assinado pelo
titular Luís Inácio Adams que corrobora as teses da defesa do ex-senador – Miranda construiu ilegalmente na ilha uma área para pouso de helicópteros, uma praia
artificial e um deque.
Não foi só. O
empenho de Weber também ajudou Gilberto Miranda a destravar o projeto de um
complexo portuário de R$ 2 bilhões na Ilha de Bagres, área de proteção
permanente ao lado do porto de Santos, como mostra a Folha
de S.Paulo. No Congresso, o advogado poderá explicar como conseguiu fazer
com que o empreendimento fosse aprovado em tempo recorde por órgãos como Ibama,
Secretaria de Portos e Secretaria de Patrimônio da União.
Para tanto, ele certamente
poderá contar como auxílio de Mário Lima Júnior, mais novo nome da lista dos nem
tão mequetrefes assim abarcados pela Operação Porto Seguro. Trata-se do
secretário-executivo da Secretaria de Portos ou simplesmente o número 2 na hierarquia
da pasta, ligada à Presidência da República. Segundo O
Estado de S.Paulo, Lima “negociou com a quadrilha acusada de vender
pareceres técnicos” a liberação do projeto da Ilha de Bagres.
Por fim, os
parlamentares poderão ouvir de Paulo Vieira como, a partir da ANA, operava com tanta desenvoltura
e em tantos órgãos azeitando a concessão de benesses públicas para interesses
privados. Ele também vai poder explicar como amealhou tanto poder no governo do
PT mesmo sendo tão ruim de voto: em 2004, Vieira disputou, pelo partido, uma
vaga na Câmara de Vereadores de um município paulista de 4 mil habitantes e só
conseguiu 55 votos, como revela O
Globo.
Como se vê, todos têm muito a contar, mas o petismo prefere escondê-los. “Esquisita a
preocupação do Planalto em interditar testemunhas. Se a ideia da presidente é
mesmo apurar e punir, em tese seria a maior interessada em acabar com essa
história de blindagem e se postar de ouvidos bem abertos no aguardo de
revelações úteis. O incentivo ao silêncio de quaisquer pessoas que possam
contribuir para o esclarecimento dos fatos subtrai confiabilidade dos
propósitos saneadores do Palácio do Planalto”, analisa Dora
Kramer.
Todas as pessoas que
o governo da presidente Dilma Rousseff conseguiu ontem evitar que sejam ouvidas
no Parlamento ocupam ou ocupavam até este fim de semana cargos públicos na gestão petista. Para que estivessem lá, a regra número um é a transparência e
a lisura no trato do patrimônio público. Sejam eles tubarões ou simples mequetrefes,
falharam no cumprimento do dever e agora devem prestar contas à sociedade. Se o
governo está contra isso, está contra o interesse público.
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