A ocasião exigia sobriedade, mas a candidata-presidente engatou o ritmo de campanha que move seus passos desde que se aboletou em cima de um palanque, cinco anos atrás, e de lá nunca mais saiu. Foi a nona vez que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social reuniu-se nesta gestão, mas apenas o terceiro encontro do qual Dilma participou. Óbvio: queria ribalta.
A presidente da
República deveria ter aproveitado a presença da nata do PIB brasileiro no encontro
de ontem para discutir seriamente os problemas que afligem o país – amanhã, por
exemplo, seremos oficialmente apresentados ao pibinho que Sua Excelência
produziu em seu segundo ano de mandato, deixando-nos na vice-lanterna do
continente...
Mas ela usou o
espaço e o tempo valioso para, novamente, fazer proselitismo político. Desancou,
raivosamente, as ações sociais da gestão tucana e enalteceu, talvez precipitadamente,
a política energética de seu governo – num momento em que, neste ano de poucas
chuvas, nem São Pedro é capaz de garantir o suprimento de energia.
Na reunião de ontem,
a presidente da República avocou ao PT todo e qualquer mérito por ter montado a
rede de proteção social que hoje existe no país. Em linhas gerais, mimetizou sua
abjeta declaração de uma semana atrás, em que desdenhou o esforço dos
brasileiros ao longo de 500 anos de história: “Não herdamos nada; construímos”.
Desta vez, ela apegou-se
a um aspecto acessório para desmerecer a criação, pelo governo Fernando
Henrique, dos programas sociais posteriormente enfeixados sob o Bolsa Família. Alegou
aos empresários que coube ao PT criar o cadastro que permite identificar os
beneficiários: “É conversa que tinha cadastro”, destrambelhou-se. Passou longe
da verdade.
O Cadastro Único
para Programas Sociais foi criado ainda em julho de 2001, por meio do decreto n°
3.877. Naquela época, os programas sociais ainda eram fragmentados, mas já
existiam. Posteriormente, o PT unificou-os e, obviamente, ampliou progressivamente
seu alcance, dando sequência natural a um legado que poderia até ser incipiente,
mas que não se pode negar que existisse. Ou seja, herdaram, não construíram.
Se sua apreciação
sobre os programas sociais é maldosa e falsa, a abordagem da presidente sobre a
questão energética é temerária. Aos empresários classe A que lá estavam, Dilma
não poderia ter dito,
se agisse honestamente, que “não vai haver racionamento” neste ano. Não quando transcorreram
apenas dois meses do ano e os reservatórios ainda penam.
A questão que se
coloca é: a que preço esta suposta segurança energética está sendo obtida? E,
dois: são verdadeiras as premissas nas quais a presidente se baseia para dar aos empresários uma garantia que não existe?
O racionamento só
não veio – ainda – por duas razões: o péssimo desempenho da economia em 2012 e
o acionamento recorde do parque termoelétrico gestado na época da crise
energética de 2001 e legado ao governo petista. Há um custo alto nisso, além de
uma estiagem acima da desejada no horizonte. Vejamos.
O acionamento das
térmicas em razão do baixo nível de armazenamento dos reservatórios das
hidrelétricas está implodindo as contas das empresas do setor elétrico. As geradoras
já estão arcando com um gasto extra de R$ 4 bilhões e as distribuidoras, de R$
1,5 bilhão por mês.
O aumento exponencial
dos custos da energia termelétrica já foi suficiente para anular o ganho que as
indústrias teriam com a redução tarifária. A associação dos grandes consumidores
de energia calcula que a tarifa da indústria tenha caído R$ 24 por megawatt-hora
em razão da lei, mas o custo das térmicas comeu R$ 22, informa hoje a Folha de S.Paulo.
Infelizmente também talvez
seja muito, muito cedo para Dilma cantar vitória contra o racionamento. Os reservatórios
da região Centro-sul, onde se concentra o grosso do parque gerador nacional,
terminarão março com nível de armazenamento de apenas 54% e os do Nordeste, com
41%, segundo o Valor Econômico. Para aquilatar: chegaram ao fim do verão de 2012 com 78% e 82%,
respectivamente.
Além disso, Dilma
voltou ontem a repetir que o país ganhará mais 10 mil MW de energia neste ano –
no discurso em rede nacional feito em janeiro, havia dito que seriam 8,5 mil novos
MW. “Esse país tem segurança energética. Nunca tivemos isso na vida”. Será? Ocorre
que, em 2012, o governo petista partira da mesma premissa – agregar 8,7 mil novos
MW ao longo do ano – mas chegou a dezembro passado tendo cumprido apenas 40% da
promessa, segundo a agência Canal Energia.
Percebe-se que, mais
uma vez, faltou serenidade à presidente e sobrou destemperança à candidata. Não
será fazendo de cada compromisso de governo um ato de campanha que Dilma
Rousseff conseguirá enfrentar as questões que interessam para melhorar a vida dos
brasileiros. Ontem, a presidente deu um novo soco na verdade e mais um salto no
escuro.
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