O tráfico de
escravos foi proibido no Brasil em 1850. Não está mais. A escravidão foi
abolida no país em 1888. Não está mais. Esta iníqua condição foi ressuscitada
com o tratamento dispensado pelo governo brasileiro a cubanos trazidos pelo
programa Mais Médicos. Eles deveriam ser acolhidos com a dignidade que merecem
e não tratados como mera mercadoria de exportação da ilha.
Não há quem discorde
de iniciativas voltadas a aumentar a oferta de médicos para atender a população
brasileira. É conhecida a dificuldade de atrair profissionais para áreas mais
inóspitas e longínquas de um país com dimensões, distâncias e diferenças continentais.
É mais sabida ainda a dificuldade de exercer a medicina sem condições mínimas
de estrutura, como se observa em boa parte do nosso sistema público de saúde.
O Mais Médicos foi
anunciado como forma de superar estes obstáculos. Inicialmente, previa recrutar
15.460 profissionais, com primazia de brasileiros, e espalhá-los por 3.511
municípios. Porém, as sucessivas chamadas públicas lançadas pelo Ministério da Saúde foram
mal sucedidas e o governo lançou mão daquela que sempre foi sua proposta
inicial: importar médicos formados no exterior, mais especificamente de Cuba,
alternativa discutida de antemão e com bastante antecedência com o regime
castrista.
Até agora, ao todo 6.658
profissionais estão em atividade no Mais Médicos – o que dá 43% do prometido em
julho do ano passado, quando o programa foi lançado. São 2.166 as cidades
atendidas, segundo balanço mais recente publicado pelo Ministério da Saúde. Destes médicos, 5.378 são cubanos, o que dá mais de 80% do total.
É aí que começa o problema: o tratamento que o governo brasileiro dispensa a estes
profissionais é análogo à escravidão.
Os cubanos são recrutados
com a chancela da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), mas sua
contratação é feita por uma sociedade mercantil sediada em Havana, a
Comercializadora de Servicios Médicos Cubanos S.A. O contrato entre as partes impõe
condições leoninas ao “profissional de saúde cubano”, como eles são nominados
no documento, admitido.
Em suas seis páginas,
o termo “consagra a escravidão laboral, não admitida no Brasil”, conforme dissecou
Ives Gandra Martins em artigo publicado na edição de segunda-feira da Folha de S.Paulo. Direitos elementares garantidos a qualquer trabalhador que
atue no país desde a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, são negados
aos médicos cubanos. O programa subverte relações de trabalho sacramentadas no
país e avilta os profissionais.
O contrato intermediado
pela firma mercantil de Havana vai ainda mais longe: também cerceia a liberdade
de movimentação e expressão dos cubanos no Brasil, veta atividades extras e até
mesmo relacionamentos amorosos durante os três anos de permanência dos
profissionais no país. Trata-se de documento típico de ditaduras, e abençoado pelo governo brasileiro.
Os passos dos
cubanos no Brasil são monitorados amiúde, inclusive sob a vigilância de uma plenipotenciária
“Direção da Brigada Médica Cubana no Brasil”. O governo brasileiro também
colabora na patrulha: na semana passada, o Ministério da Saúde baixou
portaria determinando que órgãos de segurança sejam avisados caso os médicos do
programa se ausentem por mais de 48 horas sem se justificar.
Além desta série de
restrições, os cubanos contratados pelo Mais Médicos também são submetidos a
salários aviltantes. Enquanto o governo brasileiro paga R$ 10 mil a cada médico
recrutado pelo programa, os cubanos recebem US$ 400 aqui no Brasil e têm outros
US$ 600 depositados em conta bancária em Cuba. Em miúdos, trabalham por menos
de R$ 1 mil mensais. “Estou vivendo mal. Ganho menos que uma enfermeira e teve
dia de ir comer na casa de amigo”, resignou-se
um cubano que atua no interior de Pernambuco.
Todo o restante do
dinheiro pago pelo governo Dilma – estima-se que neste primeiro ano o Mais Médicos
custará
mais de R$ 1 bilhão – vai para a ditadura comandada há 50 anos pelos irmãos
Castro. Trata-se da mais clássica mais-valia, teorizada pelo principal filósofo
da ideologia que sustenta o regime comunista cubano: Karl Marx. É que em Cuba pode...
Estima-se que a “exportação” de médicos cubanos renda cerca de US$ 6 bilhões
anuais à ilha, mais que todas as suas cada vez mais minguadas vendas ao
exterior, segundo a Folha de S.Paulo.
Não é de surpreender
que cubanos comecem a debandar do Mais Médicos. O primeiro caso, divulgado há duas semanas, foi o de Ramona Rodriguez. Depois, o próprio governo passou a se antecipar e revelou que mais um tanto de médicos, incluindo brasileiros, já tinham
abandonado o barco. É claro que o número não deverá ser volumoso a ponto de
comprometer o programa, mas será suficiente para manchar sua imagem.
Atitude correta é
advogar tratamento justo, digno e equânime para os médicos que se dispõem a
melhorar o atendimento de saúde para a população brasileira. Sem exceção. Não há
profissionais de primeira ou de segunda categoria, cubanos ou não cubanos.
Há, sobretudo, seres humanos devotados a uma das mais belas profissões. Tudo o que
eles não merecem é serem tratados como mão de obra escrava. Esta deplorável injustiça
o Brasil não aceita ver ressuscitada.
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