A Venezuela está em
pé de guerra. Este poderia ser um assunto que pouco diz respeito ao Brasil, mas
nosso governo tornou-se um dos arrimos dos descalabros que, desde Hugo Chávez,
se perpetuam no país vizinho. Por meios oficiais, nossa diplomacia também tem
hipotecado apoio à truculenta repressão posta em marcha pelo governo de Nicolás
Maduro e passado ao largo da defesa de
princípios democráticos.
A onda de protestos
na Venezuela teve início no último dia 4 e desde então vem crescendo. Ontem, dezenas
de milhares de venezuelanos foram às ruas. Parte – não há estimativas oficiais precisas
– protestava contra o governo bolivariano e manifestava apoio ao líder
oposicionista Leopoldo López, dirigente da Vontade Popular detido ontem. Parte
defendia Maduro.
O governo brasileiro
entrou nesta história pela porta dos fundos. Na última segunda-feira, endossou
comunicado oficial emitido pelo Mercosul em que expressa apoio irrestrito ao
governo chavista: “Rejeitamos as ações criminosas de grupos violentos que
querem disseminar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da
Venezuela, como instrumento de luta política”, diz um dos trechos
da nota.
Hoje, o Mercosul é
presidido temporariamente pela Venezuela, finalmente admitida no bloco em
agosto de 2012, com total beneplácito da diplomacia companheira. Dele também fazem
parte o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai – estes membros desde a
origem, em 1991, quando foi assinado o Tratado de Assunção. Não é difícil ver
que estamos atados ao que há de mais atrasado no continente...
O comunicado emitido
anteontem foi chancelado por todos os países-membros do Mercosul e, segundo
informam os jornais, foi feito sob estrita orientação de Caracas. Por isso, não
traz nenhuma palavra sobre a escalada de violência que assola a Venezuela,
sobre a truculenta repressão do governo Maduro aos meios de comunicação, sobre a
desconstrução cotidiana da economia do país e nem sobre a penúria em que se
transformou viver ali desde o governo Chávez. Nenhuma defesa, ademais, de princípios
e valores democráticos.
Isoladamente, o
Itamaraty não emitiu posição oficial. Mas, segundo a Folha de S.Paulo, endossou os termos dos comunicados do Mercosul e da Unasul,
ambos de apoio a Maduro. Foi, portanto, conivente com posicionamentos que desconhecem
a legitimidade da manifestação democrática de milhares de venezuelanos descontentes
com um governo que já nasceu sob a suspeita de ter fraudado a eleição que
elegeu Maduro em abril do ano passado.
“Demoramos dez anos
para construir um pensamento sobre democracia no Mercosul, e o bloco exige uma
democracia representativa e respeito aos direitos humanos. A Venezuela não
cumpre estas exigências, e o Mercosul está ignorando dez anos de trabalho”,
sintetizou um ex-diretor da Secretaria do Mercosul ouvido por O Globo.
Motivos para a
insatisfação os venezuelanos têm de sobra. O país é hoje quase um pária no
concerto geral das nações. Tem a mais alta inflação do mundo (56% ao ano) e a
mais baixa taxa de crescimento do continente (1,1%). Por esta razão, seus
cidadãos não dispõem sequer de itens de primeira necessidade, como papel
higiênico, disponíveis nos supermercados, hoje completamente desabastecidos.
A taxa de câmbio é
galopante – no oficial, um dólar vale 6,3 bolívares, enquanto no paralelo chega
a 84. Isso torna dramática a vida num país que importa 70% do que consome e
onde 95% da renda recebida pelo governo vem da estatal do petróleo, a PDVSA, arruinada
pela exploração política, como relata a Foreign Policy.
O apoio ao chavismo
é apenas mais um capítulo da triste saga que a diplomacia brasileira vem escrevendo
sob as orientações do petismo. O viés ideológico imposto à nossa política
externa nos últimos anos está isolando o Brasil do mundo e nos alinhando ao que
há de mais atrasado e retrógrado. Demos as costas para nações democráticas e
abraçamos regimes de inclinação autoritária, como é o caso da Venezuela de
Nicolás Maduro. Tudo em flagrante contraste com as melhores práticas da nossa tradição
diplomática.
Nenhum comentário:
Postar um comentário