O governo fez ontem
mais uma investida para convencer os agentes econômicos de que leva a gestão
das contas públicas do país a sério. Há dúvidas sobre quanto tempo as boas
intenções, que rendem muita saliva, mas teimam em não sair do papel, vão durar.
A última tentativa, há menos de um mês em Davos, não resistiu a um jantar clandestino
em Lisboa.
O anúncio de ontem
era esperado por analistas de mercado como o “dia D” para a economia brasileira
neste início de ano. Se viesse um compromisso chocho ou pouco crível com a
austeridade fiscal em 2014, o risco era de as expectativas degringolarem e a
perspectiva para os títulos brasileiros ser rebaixada. Talvez isso não
aconteça, por enquanto.
Já com dois meses do
ano transcorridos, o governo Dilma se comprometeu a alcançar superávit fiscal
de 1,9% do PIB até dezembro. É muito? É pouco? Melhor analisar em retrospectiva.
É tanto quanto foi realizado no ano passado, quando a meta começou em 3,1% e
foi caindo, caindo até fechar em 1,9%. É, ainda, menos que os 2% registrados no
recessivo ano de 2009. É, por fim, a menor economia desde 1998. Que sacrifício fiscal
é este, afinal?
Trata-se também de
uma espécie de meta São Tomé. É ver para crer, mês após mês. Quem entende de
contas públicas de antemão já não crê. A maioria dos analistas diz que
dificilmente o governo petista economizará mais que 1,5% do PIB neste ano, como
aferiu o Valor Econômico. Para começar, muitas variáveis com as quais a equipe
econômica conta para atingir a meta não batem.
Primeiro, pela nova previsão
de crescimento da economia – que impacta todas as demais variáveis, em especial
o comportamento das receitas. Os 2,5% anunciados ontem são mais realistas que os 3,8% da
estimativa anterior, mas quase uma miragem quando cotejados com o 1,8% colhido pelo
Banco Central junto a analistas na semana passada. Mas há quem espere bem menos
para a expansão do PIB brasileiro neste ano.
Além disso, quase um
terço do corte anunciado ontem é reestimativa para baixo de despesas
obrigatórias, analisa O Estado de S. Paulo. Se são obrigatórias, como cortá-las? Daí virão R$
13,5 bilhões dos R$ 44 bilhões previstos, incluindo a estimativa de um rombo na Previdência R$ 10 bilhões
menor do que o registrado no ano passado. Será possível? Como?
“Isso é como cortar
vento, pois é uma redução da previsão da despesa que consta da lei
orçamentária. Por definição, o governo terá que pagar as despesas obrigatórias
que forem efetivamente registradas. Nos anos anteriores, as despesas
obrigatórias terminaram maiores do que o previsto no primeiro decreto de
contingenciamento”, resume Ribamar Oliveira no Valor.
Não é preciso dizer muito mais a este respeito.
Além de São Tomé, a nova
meta fiscal do governo Dilma também deverá render benção a São Pedro. Nos
cálculos apresentados ontem, a equipe econômica petista não prevê aportar mais
que R$ 9 bilhões para cobrir desequilíbrios no setor elétrico em razão de
subsídios, renegociação forçada de contratos e uso mais intenso de usinas térmicas
por causa da falta de chuvas. É rezar para crer. Especialistas dizem que a
conta não sai por menos que o dobro disso.
As previsões para o
comportamento das receitas também são exageradamente otimistas. O governo
projeta 20,9% do PIB, mais que os 20,6% de 2013, quando a arrecadação foi inflada
por ocorrências atípicas, como o leilão de Libra. O pessoal de Brasília parece ignorar que não
é todo ano que se vende metade das reservas estimadas de petróleo de um país...
Entretanto, segundo
o Valor,
o ministro da Fazenda diz que tem “trunfos” na manga para garantir o objetivo
fiscal neste ano. Entre eles está a taxação de empresas distribuidoras de cosméticos,
estendendo prática que hoje é feita só nas fábricas. E também mudanças das
regras de concessão do seguro-desemprego e do abono salarial, que ele já
prometera antes. São, em suma, coisas cosméticas – literalmente – ou
requentadas.
A tesoura de Dilma entrou
firme mesmo foi nas emendas parlamentares. Serão R$ 13,3 bilhões a menos, que atingem
diretamente a área social – pelo menos metade delas iria para a saúde. Ou seja,
o corte também terá o condão de azedar ainda mais o clima na já conflagrada base de
apoio à presidente no Congresso. Do PAC, que ano passado não executou nem um
terço do previsto, foram retirados R$ 7 bilhões. Aí é tesourada em puro vento.
O ajuste será capaz,
no máximo, de evitar uma deterioração mais grotesca dos indicadores de
solvência do país, mantendo estável a relação dívida/PIB. Representa, também, o
reconhecimento oficial do fracasso das políticas anticíclicas e de que a política fiscal vigente não ajudava em nada o
controle da inflação – que o governo estima em 5,3% neste ano, o que seria a taxa
mais baixa alcançada na atual gestão.
Há aspectos
positivos, porém. Até bem pouco tempo atrás, o governo Dilma acreditava
piamente que era possível empurrar a periclitante situação fiscal do país com a
barriga até que as eleições passassem e – na suposição de reeleição da petista –
só então fosse tomada alguma medida mais drástica. Imagine a debacle em que o
país não estaria se esta atitude irresponsável tivesse prevalecido. Ficamos com
o menos pior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário