As investigações
sobre a morte do cinegrafista Santiago Andrade desembocaram num caminho melindroso
e sensível, mas que, se forem verdadeiras as denúncias que vieram à tona ontem,
podem jogar luz nova sobre a dinâmica que os protestos de rua tomaram desde que
acuaram o governo, em meados do ano passado.
Segundo o advogado
dos dois acusados pela morte do cinegrafista, grupos e partidos políticos estariam
envolvidos no aliciamento de manifestantes, recrutados a soldo para engrossar
os protestos. A denúncia deve ser recebida com a cautela, pois pode ser mera
tática diversionista para livrar a cara dos jovens que cometeram o ato bárbaro
que vitimou Andrade.
Mas, convenhamos, está
longe de ser desprovida de sentido. Pelo contrário. A hipótese de
instrumentação já fora aventada quando manifestações legítimas descambaram para
a pancadaria – e, por esta razão, passaram a ser rechaçadas por gente de bem e
acabaram perdendo força.
Em novembro, O Globo já revelara que a Polícia Civil do Rio “investigava indícios de
que pessoas estariam sendo recrutadas [com dinheiro, alimentação e transporte],
inclusive fora do estado, para participarem de manifestações”. A hipótese é sustentada
por depoimentos prestados por pessoas detidas e apreensões, inclusive de
computadores, feitas ao longo do período de protestos.
A questão que
interessa agora é: se é verdadeira a hipótese, quem está pagando, instruindo e
aparelhando esta gente? A quem interessa transformar iniciativas surgidas como
manifestações legítimas por melhorias nas condições de vida do país e por
mudanças na forma de o poder público se relacionar com a população em atos criminosos?
Quem mais perde com
as badernas de rua é a democracia brasileira. É preocupante, se forem
verdadeiras as denúncias do advogado dos envolvidos na morte do cinegrafista,
que instituições intrinsecamente ligadas ao bom funcionamento do Estado
democrático de direito estejam se valendo de métodos facínoras para tirar proveito
e tumultuar o ambiente.
Uma coisa é
indubitável: os black blocs e sua prática truculenta serviram como luva aos
propósitos do governo e ao partido no poder. Sua entrada em cena, logo depois
que as manifestações atingiam seu ápice e magnetizavam o país, acabou por
esvaziar os protestos e afastar quem lutava por causas legítimas.
Vale recordar que, pouco
antes do surgimento dos black blocs, PT e movimentos alinhados ao governo haviam
tentado se apropriar das manifestações. Foram prontamente rechaçados. Logo depois,
irromperam os vândalos. Sua violência acabou por dispersar as multidões, embora
não tenha conseguido silenciar a insatisfação que até hoje se mantém latente.
Vira e mexe, percebe-se
no governo petista tentativas de transformar baderna e protestos em farinha do
mesmo saco. Não são. Uma coisa é o direito de manifestação de causas legítimas,
feitas pacificamente, como foi, em boa medida, o que aconteceu em junho do ano
passado. Merecem respeito. Outra coisa, bem diferente, é a truculência, a
intolerância e a desordem. Merecem repressão.
Cabe agora
investigar a fundo a denúncia formalizada pelo advogado dos assassinos de
Santiago Andrade – que, vale lembrar, também já defendeu acusados de chefiar milícias
na Baixada Fluminense. A democracia brasileira não pode aceitar grupos que usam
a violência para impor suas visões, quaisquer que sejam.
Mas uma coisa é
certa: os black blocs não representam os indignados do país. A repulsa aos
descaminhos pelos quais o Brasil tem enveredado é hoje sentimento presente em
vasta camada da população. O episódio lamentável do Rio e as associações que
ele descortina não podem servir para deslegitimar o sentimento de mudança que pulsa
entre boa parte dos brasileiros.
Até agora quem mais
ganhou com a atuação nefasta dos black blocs foi o governo, aterrorizado com o efeito
que as manifestações – enquanto se mantiveram pacíficas – tiveram sobre sua
antes inabalada popularidade. A hora agora é de apurar, afinal, se uma coisa pode
estar umbilicalmente ligada à outra.
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