Aos poucos, de forma não tão discreta, Dilma Rousseff começa a aparecer
nas histórias ligadas ao escândalo de Pasadena como quem fez a coisa certa e só
errou um tiquinho por não ter examinado com o rigor necessário, como era de se
esperar de um suprassumo da gestão como ela, um contratão gordo como aquele. São
as artimanhas do Planalto; cai nelas quem quer. Na realidade, a participação de
Dilma na transação escabrosa é equivocada do começo ao fim. A responsabilidade pelo
mau negócio é intransferível.
Brasília pôs em marcha uma manobra para terceirizar a culpa pela lambança
protagonizada pela Petrobras, cujo conselho de administração era presidido por Dilma
à época, ao comprar uma refinaria no Texas por valor muitas vezes superior ao que
a planta industrial efetivamente valia. Acontece que havia, e ainda há, uma
ordem de comando na estatal, uma hierarquia de decisões; Dilma esteve, e está, no
topo da cadeia. Se não havia, ou não há, tal hierarquia, e se Dilma não exerceu
nem exerce tal comando, a coisa é pior do que parece.
O episódio todo começa com a declaração oficial dada por Dilma na semana
passada de que aprovou a compra da refinaria de Pasadena com base em resumo
“técnica e juridicamente falho” e em “informações incompletas”. A
responsabilidade pelo péssimo negócio não seria, em última instância, dela. Mas,
como presidente do principal órgão de governança da então maior empresa
brasileira, Dilma deu seu aval a um negócio que acabou custando US$ 1,18 bilhão
à Petrobras. Este é o fato, e ponto.
No rastro da confusão armada a partir da declaração presidencial, na
sexta-feira Nestor Cerveró foi demitido da diretoria financeira da BR
Distribuidora. Foi da lavra dele, então diretor internacional da Petrobras, o documento
que, sustenta Dilma agora, levou a estatal a pagar por Pasadena quase 30 vezes
o que o antigo dono havia pagado apenas sete anos antes. A máquina de
propaganda do Planalto quer nos convencer de que algo assim pode passar incólume...
O parecer de Cerveró data de 2006. Já em 2007, Dilma e todo o conselho da
Petrobras ficaram cientes de que teria havido, no mínimo, má-fé na transação, pois
condições importantes do negócio não apareceram no resumo de duas páginas e
meia enviado aos conselheiros. Apesar disso, Cerveró continuou no mesmo cargo na
Petrobras até 2008 e de lá só caiu para cima: assumiu a diretoria financeira de
uma potente subsidiária da estatal. Isso é algo que se faça com quem comete
erro na casa de bilhão de dólares?
Agora, Nestor Cerveró foi finalmente defenestrado. Demorou oito anos para
ser demitido pela lambança que a Petrobras fez no Texas, algo que já era de
conhecimento da companhia, mas fora omitido do público durante todo este tempo –
com a concordância de Dilma, frise-se.
O governo petista sustenta que isso demonstraria que Dilma, afinal, impôs
ordem na casa, limpou a área e colocou nossa outrora maior empresa no rumo
certo. Seu pecadilho maior teria sido falhar na função de gerentona, sua
suposta qualidade mor. Qual o quê! A hoje presidente da República falhou foi de
cabo a rabo.
Primeiro, ao dar guarida, na condição de presidente do Conselho de
Administração da Petrobras, que ocupou por sete anos, a um negócio que se
mostrou desastroso, por quaisquer ângulos que se examine.
Segundo, por não ter
tomado quaisquer providências para impedir que a companhia perseverasse no equívoco:
a aquisição acabou consumada cinco anos depois de desnudadas as condições
leoninas do contrato e por valor bem acima do que havia sido acordado entre os
sócios – uns 30% mais, segundo publicou a Folha de S.Paulo ontem.
Em terceiro lugar, Dilma é responsável por ter mantido na empresa
gestores que levaram a Petrobras a decisões temerárias: além de Cerveró, o
ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, preso na semana passada pela
Polícia Federal por suspeita de envolvimento numa rede internacional de lavagem
de dinheiro. Nos anos todos em que Dilma presidiu o conselho, lá ele esteve,
intocado, apesar de também ter participado da compra de Pasadena.
Os negócios ruins da Petrobras vêm desde a época em que Dilma presidia o
mais alto órgão de governança da companhia e continuam quando Dilma, para nossa
infelicidade, passou a presidir algo um pouquinho maior, a República Federativa
do Brasil. Há uma linha de continuidade na trajetória da companhia buraco
adentro. Em ambas, estão as digitais de Dilma.
Exemplos são muitos. Além do valor estapafúrdio pago pela planta de
Pasadena, incluem também os investimentos a fundo perdido – até agora – que estão
sendo realizados na refinaria Nansei, em Okinawa, no Japão. Comprada por US$ 70
milhões, já recebeu mais US$ 200 milhões em investimentos para resolver pendências
ambientais e operacionais, segundo edição d’O Globo de ontem. Hoje opera com carga mínima e, posta à venda, não obteve
compradores interessados no mercado.
Em Pernambuco, deu-se algo pior. A Petrobras já enterrou US$ 20 bilhões
num negócio que começou em US$ 2,5 bilhões, quase dez anos atrás. Neste ínterim,
tomou um beiço do sócio venezuelano, a PDVSA. Mas, ao contrário do que
aconteceu com a belga Astra em Pasadena, que lhe cobrou centavo por centavo o que previa
o contrato, a empresa brasileira simplesmente abriu mão das penalidades que
poderia impor ao parceiro bolivariano, conforme mostra hoje O Estado de S. Paulo.
De forma direta, Dilma Rousseff esteve metida nestes negócios nefastos ao
interesse nacional. Se bem sucedidos, estariam servindo ao discurso oficial
como atestado da competência gerencial da petista. Mas, como estão se revelando
ruinosos, tenta-se imputar a outrem a responsabilidade por eles e a culpa pela
lambança. Não é possível. Exercer a presidência, seja do conselho de administração
de uma companhia, seja de um país, não é algo que se possa terceirizar.
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