Por esta razão, são
nefastos os efeitos previsíveis do voto proferido ontem pelo ministro Ricardo Lewandowski
livrando o petista João Paulo Cunha das acusações de crime de corrupção
passiva, peculato e lavagem de dinheiro no processo do mensalão. A manifestação
do revisor pode acabar servindo de salvo-conduto a falcatruas e abrir uma
porteira de absolvições para quem, durante anos, assaltou os cofres públicos.
Em 2003, o deputado do
PT sacou R$ 50 mil de uma conta de uma das empresas de Marcos Valério numa agência
do Banco Rural em Brasília. Ato contínuo, a SMP&B, uma das firmas do operador
do mensalão, abocanhou um contrato de R$ 10 milhões com a Câmara dos Deputados,
que Cunha então presidia. Há evidências de que uma coisa esteve ligada à outra.
Para despistar, à época
o parlamentar enviou sua esposa à agência para sacar a dinheirama. No transcurso
da apuração do processo, primeiro Cunha negou que tivesse passado pelo banco. Com
a mulher flagrada por câmeras de vídeo, mudou a versão e disse que ela fora ao
Rural pagar contas de TV a cabo – revelando que sabia da origem ilegal da grana.
Pego novamente na mentira, acabou admitindo o saque polpudo, mas sustentou que os
recursos teriam servido para pagar despesas de campanha.
Esta história da carochinha
obteve ontem o aval do ministro do Supremo. Com seu voto, Lewandowski reduziu o
delito praticado pelo então presidente da Câmara dos Deputados – e, naquela condição,
o segundo na linha sucessória presidencial – a um “mero” crime eleitoral. O revisor
do processo do mensalão parece considerar que traficar dinheiro à margem da lei
é mal menor.
Embora importante, o
voto do revisor é apenas um dos 11 que serão proferidos no caso – ou dez, se
não der mesmo tempo de Cezar Peluso, prestes a se aposentar, votar. Cabe esperar
que os demais não deem razão ao ministro nem hipotequem apoio a tão descabida
tese. Será deletério se a posição de Lewandowski prevalecer.
Afinal, o caso de João
Paulo Cunha é um dos mais emblemáticos da postura petulante do PT em relação às
instituições. O deputado é o único mensaleiro que, a despeito de estar no banco
dos réus da mais alta corte do país, disputa a eleição deste ano: é candidato a
prefeito de Osasco, rica cidade da região metropolitana de São Paulo.
Só a confiança na
impunidade, ou a insolência explícita, explica como o PT não apenas lançou um
mensaleiro como candidato, como também escalou uma ministra de Estado – no caso,
Miriam Belchior, do Planejamento – para figurar ao seu lado nos vídeos da
campanha eleitoral. O voto do ministro Lewandowski mostra-se conivente com esta
deplorável situação.
É grave que o revisor
tenha relevado, por exemplo, as idas e vindas da versão de Cunha. Ou tenha
ignorado laudo da Polícia Federal que atestava contratações fictícias dentro do
contrato firmado pela Câmara com a SMP&B. Ou, ainda, desconhecido que os saques do
deputado e de outros políticos no Rural fossem escamoteados pela agência de
publicidade como “pagamento de fornecedores”.
Como destacou o ministro
Joaquim Barbosa, que na segunda-feira pediu a condenação do parlamentar, por
quase dois anos a origem, a movimentação, a localização e a propriedade dos R$
50 mil sacados pelo petista Cunha no Rural foram mantidos ocultos. Também sequer
foram informados aos órgãos de fiscalização competentes, num claro indício de
lavagem de dinheiro.
A tudo isso, Ricardo
Lewandowski ontem ignorou. O revisor do processo do mensalão preferiu basear-se
na tese de que não houve “ato de ofício” que permitisse caracterizar a prática
dos crimes imputados ao deputado petista. Foi o mesmo argumento aceito pelo
Supremo, em 1994, para absolver Fernando Collor de Mello. Como se percebe, João
Paulo Cunha e os vários mensaleiros que poderão ser beneficiados pela postura complacente
do ministro estão todos irmanados em boa companhia.
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