A República
Bolivariana de Venezuela foi admitida no Mercosul por meio de um golpe. Os países-membros
aproveitaram a suspensão imposta ao Paraguai – por supostamente ter incorrido
em “ruptura da ordem democrática” ao aprovar o impeachment de Fernando Lugo em
processo acelerado – para permitir que o país de Chávez adentrasse o bloco, algo
que os paraguaios se recusavam, desde 2009, a ratificar.
Ou seja, à guisa de
punir um país que, supostamente, teria violado cláusulas democráticas, os
demais membros do Mercosul incorreram numa afronta ainda maior aos princípios
do Estado Democrático de Direito. No início do mês, a diplomacia uruguaia denunciou
que a acintosa decisão foi imposta aos demais países pela presidente Dilma
Rousseff, numa “grave ferida institucional”, nas palavras
do vice-presidente Danilo Astori.
O mais grave é que,
a partir de agora, o destino do Mercosul estará atado às diatribes de um
governante como Hugo Chávez, claramente avesso à liberalização dos mercados e à
formalização de novos acordos de livre comércio, numa espécie de “protecionismo
ideológico”. Nesta perspectiva, as chances de avançarem negociações do bloco
com os Estados Unidos ou a União Europeia tornam-se mínimas doravante.
Além do nebuloso
horizonte que se descortina para a expansão comercial do bloco em direção a outros
mercados, o Mercosul incorpora em seu seio um governo descomprometido com a
democracia e com os direitos humanos, e ainda suspeito de manter fortes laços
com o crime organizado. Trata-se, sob os mais variados aspectos, de um indesejado
conviva.
O governo de Chávez foi
alvo de relatório crítico da Human Rights Watch divulgado
há duas semanas. O documento aponta concentração e abuso de poder por parte do
ditador, que ocupa o cargo há 13 anos. Lista, ainda, uma série de casos de
intimidação, censura e processos promovidos por Chávez contra o Judiciário, a imprensa
e a sociedade civil na Venezuela.
Há, também, fundadas
suspeitas de que o regime bolivariano compactue com narcoguerrilheiros das Farc
na Colômbia. Segundo alguns ex-magistrados venezuelanos ouvidos pelo New
York Times, quase toda a cúpula do poder abaixo de Chávez faz parte de
uma grande rede sul-americana de narcotráfico.
Afora suas más
credenciais democráticas, a Venezuela sequer demonstrou, até agora, compromisso
verdadeiro com os requisitos que deveriam permitir a sua incorporação ao Mercosul.
Sua entrada no bloco é objeto de negociação desde 2006, mas até hoje Caracas não
adotou as normas e o padrão aduaneiro do bloco nem informou sua lista de
produtos considerados sensíveis – cujo prazo venceu em 2010.
Toda esta ficha
corrida não compensa a perspectiva, alardeada pelos defensores do ingresso
venezuelano, de abrir um mercado que produz US$ 316 bilhões em bens e riquezas.
O custo desta decisão será ter, sentado à mesa do Mercosul, com plenos poderes
para vetar o que bem entender, um governante cujo único compromisso é com sua
própria perpetuação no poder.
A entrada da
Venezuela no Mercosul, principalmente pela forma autoritária com que está se
dando, acentua a politização que o governo petista empreendeu à política
externa brasileira. Antes firmemente comprometida com os ideais democráticos,
nossa diplomacia agora flerta indesejavelmente com o perigo e incentiva um governo
ditatorial – como, aliás, fez em diversas outras partes do mundo desde a ascensão
do PT ao poder.
Ao Mercosul, o que
se avizinha é, na melhor das hipóteses, um período de turbulência, em que os
membros continuarão sem saber se são uma mera zona de livre comércio, uma união
aduaneira ou um desejável mercado comum. Contudo, a adesão da Venezuela pode
representar algo ainda pior para as pretensões do bloco: uma marcha batida rumo
à irrelevância ou, ainda, a um fim tristemente melancólico.
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