A ONU-Habitat
divulgou ontem relatório
em que analisa a condição de vida na América Latina e no Caribe nas últimas
duas décadas. Mostra que o Brasil ainda é o quarto país mais desigual do continente
mais desigual do mundo. Em 20 anos, o máximo que conseguimos foi deixar a
lanterna do ranking e superar Guatemala, Honduras e Colômbia – nesta ordem, os
mais injustos da região.
“Ser o quarto pior
da América Latina é como estar na zona de rebaixamento da terceira divisão
porque é a região mais desigual do mundo”, resumiu
Marcelo Néri, pesquisador da FGV que se especializou em analisar políticas públicas
de distribuição de renda. Não temos nada do que se orgulhar, por certo.
De modo geral, 124
milhões de pessoas ainda vivem na pobreza nas cidades latino-americanas e
caribenhas, o que equivale a um em cada quatro habitantes das áreas urbanas. O maior
contingente está no Brasil, onde somam 37 milhões. Em termos relativos, o
percentual da população urbana brasileira em situação de pobreza e indigência
passou de 41% em 1990 para 22% em 2009.
A situação no
continente ainda é lastimável. Segundo a ONU, a América Latina e o Caribe se
mantêm como a área mais desigual do globo. País com melhor distribuição de
renda no continente, a Venezuela tem situação mais injusta – medida pelo índice
de Gini – do que Portugal, o mais desigual dos países europeus. Os 20% mais
ricos na América Latina têm renda quase 20 vezes superior à dos 20% mais pobres.
A renda média
brasileira também é uma das mais baixas entre os 26 países da região. No
ranking de PIB per capita, o Brasil ocupa o 13° lugar, com valor pouco superior
a US$ 4 mil. Estamos abaixo da média latino-americana e atrás de países como
Argentina e Uruguai, onde os rendimentos médios ficam acima de US$ 8 mil.
A ONU destaca que a
desigualdade é patente não só na distribuição de renda, mas também na habitação,
no acesso a bens e serviços como educação e saúde, e nas oportunidades de
emprego, entre outros fatores que determinam o bem-estar do indivíduo.
No continente, 111
milhões de pessoas sobrevivem em habitações precárias, por exemplo. O maior número,
mais uma vez, está no Brasil: são 46 milhões de habitantes nestas condições, ou
28% da nossa população urbana. Em 20 anos, o contingente vivendo nesta situação
no país ganhou mais 5 milhões de indivíduos.
Outra calamidade é o
acesso a serviços de saneamento. Aqui vale tomar uma fonte mais recente: o levantamento
publicado na semana passada pelo Instituto Trata Brasil. No país, 81% da
população tem acesso à água tratada; apenas 46% contam com coleta de esgotos e,
do esgoto gerado no país, apenas 38% recebe tratamento. Um atraso malcheiroso.
Não é prazeroso
constatar o quanto o Brasil ainda precisa avançar para tornar-se, de fato, “um
país sem pobreza”, como diz o slogan oficial. Estudos como o da ONU servem para
moderar o oba-oba emanado de Brasília, que tenta nos vender a ideia de que,
nunca antes na história, estivemos tão bem. Devagar com o andor.
Um país que, a
despeito de sua imensa força econômica, mantém-se como um dos mais desiguais e injustos
de um dos mais problemáticos continentes do mundo não pode se dar ao luxo de
deitar em berço esplêndido. Uma parte do caminho para mudar isso foi percorrida,
e não é de agora: lá se vão quase 20 anos de avanços. Mas uma longa jornada
ainda terá de ser vencida. O primeiro passo para superar o atraso é encarar a situação
com realismo, e não com lentes cor-de-rosa.
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