A presidente
aproveitou solenidade destinada a anunciar um programa que incentiva o consumo
num momento em que as lojas já não dão conta de suprir as encomendas – e, com
isso, incha ainda mais o balão da inflação – para criticar os críticos de seu
governo. Comparou-os ao Velho do Restelo, personagem de Camões em “Os
Lusíadas”.
Segundo ela, seriam
eles incorrigíveis pessimistas que enxergam o que ninguém mais vê: um país próspero,
estável, equilibrado e sem qualquer entrave ao desenvolvimento e ao aumento de bem-estar
de sua população. Provavelmente, gente que não deve estar assistindo a
propaganda do governo nos rádios e nas TVs...
Estes velhos de
literatura também devem ser, quem sabe, gente que não consegue comprar tomate na
feira porque seu preço mais que dobrou nos últimos meses. Gente que teve que
tirar o filho da escola porque a mensalidade subiu quase 50% nos últimos quatro
anos. Gente que vê sua poupança para a aposentadoria minguar à medida que a
desconfiança dos investidores em relação à solidez do país cresce e derruba os
rendimentos.
Aparentemente sem
antes ter besuntado a face com óleo de peroba, Dilma afirmou: “A situação real
em que o Brasil vive é de inflação sob controle, contas públicas sob controle”.
Em que castelo a nossa presidente vive? Deve ser o mesmo habitado por Guido Mantega,
aquele que fica perguntando “onde está a crise?” por aí...
Dilma disse também
que “não há a menor hipótese” que o governo dela “não tenha uma política de
controle e combate à inflação”. Pode até ser que a presidente tenha alguma
iniciativa para segurar os preços, mas o problema é que ela simplesmente não
funciona. Basta perguntar para o nosso Banco Central por que ele está tendo que
arrochar os juros brasileiros na contramão de todo o resto do mundo.
A verdade é que não
há rumo nem lógica alguma nas ações da gestão de Dilma. No mesmo momento em que
seu ministro da Fazenda diagnostica – enfim! – que o problema do país é investimento
de menos e consumo demais, a presidente decide conceder subsídio para compra de
eletrodomésticos e mobília.
Na mesma hora em que
investidores e agências de classificação apontam temor com o crescente
descontrole das contas públicas, a chefe da nação determina que o Tesouro emita
mais títulos e aumente ainda mais sua dívida para que mutuários possam jogar fora
o seu fogão, um item presente em 98,5% dos lares brasileiros, e comprem um sofá
novo.
Só neste ano, o
Tesouro já foi autorizado a emitir mais R$ 45 bilhões em dívida nova em operações
sempre escamoteadas pelo governo petista de forma a não aparecerem nos indicadores
de endividamento público. No entanto, a dívida bruta brasileira caminha para superar
neste ano 60% do PIB, ultrapassando a marca dos demais Brics e os limites de
prudência.
A presidente e seus
auxiliares parecem dar de ombros a tudo isso. A linha de crédito anunciada
ontem pelo governo custará R$ 18,7 bilhões, mas nenhuma autoridade federal sabe
exatamente de onde o dinheiro virá. “A explicação do governo sobre o custo do
novo programa só aumentou as dúvidas”, resumiu o Valor Econômico.
Uma parte dos
recursos será composta por R$ 8 bilhões em novos créditos concedidos à Caixa
Econômica Federal, que, há apenas dois meses, recebera injeção de outros R$ 13
bilhões. Sabe-se agora que o banco também ficará dispensado de recolher
dividendos à União pelos próximos anos, conforme medida provisória publicada ontem à noite.
Com manobras desta
natureza, a Caixa já se tornou sócia de frigorífico, fabricante de autopeças,
de bens de capital, processador de minério, entre outras empresas privadas,
como mostrou ontem O Estado de S.Paulo. Como um dos principais motores da publicidade
oficial, o banco também já é o terceiro maior anunciante
do país. Até onde esta balbúrdia vai?
Como estes montantes
não são suficientes para cobrir o valor e as condições camaradas previstas na
nova linha de financiamento, uma boa dica é: que tal olhar para o dinheiro dos
trabalhadores depositado no FGTS? É de lá que o governo está tirando recursos utilizados
para tocar o Minha Casa Minha Vida, sem que, porém, o Tesouro honre sua parte e
ressarça o fundo. Estima-se que a gatunagem já ultrapasse
R$ 4,8 bilhões, e continua subindo.
Ninguém é contra ações
que visem melhorar as condições de vida da população brasileira, em especial a mais
pobre. Mas não dá para concordar com iniciativas de governo que busquem, em
primeiro lugar, recuperar a popularidade presidencial. Não se admite que, sob o
manto das boas intenções, Dilma faça o diabo apenas de olho na sua reeleição.
Antes de qualquer
coisa, a presidente da República deveria reconhecer o momento de dificuldade,
que não é exclusivo do Brasil e alastra-se pelo mundo. Um diagnóstico realista
e honesto seria o primeiro passo para superar os obstáculos que dificultam o
dia a dia do brasileiro comum, que, ao contrário da presidente, não vive
isolado em castelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário