Mesmo com todas as indicações contrárias, o leilão do
trem-bala está mantido, com entrega das propostas prevista para a próxima
quarta-feira, dia 14. Como a obra só para de pé à base de muito dinheiro do
contribuinte, BNDES e Correios anunciaram ontem a intenção de se associarem aos
consórcios em disputa. Incluindo fundos de pensão, a participação pública pode
chegar a 80% do negócio, considerando aportes, subsídios e financiamentos
camaradas.
Ninguém, nesta altura do campeonato, é capaz de dizer quanto
o trem-bala vai custar. As estimativas começaram, lá em 2007, na casa dos R$ 19
bilhões. Hoje não há quem aposte que a obra saia por menos de R$ 50 bilhões e
até o governo federal admite que os custos já pelo menos dobraram desde o
projeto original. É a mais cara obra de infraestrutura já feita no país.
Tanto dinheiro seria suficiente para praticamente zerar os
problemas de mobilidade urbana nos grandes centros brasileiros, como mostrou o Ipea
em 2010. Alternativamente, seria capaz de bancar 10 mil km de ferrovias e tornar
o Brasil uma verdadeira potência agrícola e exportadora, dando máxima
competitividade às safras colhidas no interior, que poderiam passar a dispor de
farto transporte por trilhos até nossos portos.
Mas a opção dos petistas é outra: apostar numa obra que, até
agora, não se mostrou realmente necessária, competitiva ou sustentável. O
modelo de negócio é mirabolante e as regras mudam a toda hora. Estima-se que a
passagem do trem-bala chegue a custar R$ 650, mais que o dobro da previsão
oficial, segundo O Globo, e bem mais que os bilhetes de ônibus e aviões que a ferrovia,
supostamente, pode vir a substituir.
Esta será a quarta tentativa do governo de leiloar a obra:
por duas vezes, o certame foi adiado e na terceira ninguém apareceu para dar
lances. “É um projeto mal feito. Até hoje não há trajeto definido, nem projeto
executivo de engenharia”, resume Paulo Fleury, professor da UFRJ e um dos
maiores especialistas do país em logística e transportes.
“Para começar, vai haver dinheiro público, muito subsídio,
empréstimo a juro de pai para filho, prazos de avô para neto, carências e
garantias. Para continuar, não se sabe quanto vai custar o trem (ainda não há
projeto)”, comenta Vinicius Torres Freire na edição de hoje da Folha de S.Paulo.
Enquanto afunda no projeto do trem-bala, o governo descuida
das demais ferrovias em construção no país e enfrenta sérias dificuldades para
levar adiante seu programa de concessões para o setor. Até hoje, Dilma Rousseff
não inaugurou um metro sequer de trilhos e seu governo corre risco de passar
batido nesta seara.
O exemplo mais gritante da incúria petista com nossas
ferrovias é o que acontece com a Oeste-Leste (Fiol), que, com 1.022 km, ligará
o Centro-Oeste a Ilhéus, no litoral da Bahia. Pelo cronograma inicial, o
empreendimento deveria ter sido inaugurado no último dia 31, mas a realidade
difere muito da propaganda oficial: até hoje é uma obra fantasma.
“Depois de ter suas obras contratadas há mais de três anos,
a Fiol ainda está distante do dia em que os trens finalmente poderão rodar em
seu traçado. Até hoje, nenhum metro de trilho foi instalado”, mostrou o Valor Econômico em alentada reportagem publicada na semana passada. A Fiol
tem o dobro do traçado do trem-bala e deverá custar menos de um décimo.
Igualmente problemática é a construção da ferrovia
Norte-Sul. Trechos inteiros estão tendo de ser refeitos, por problemas de
concepção e projeto e uma execução para lá de catastrófica por parte da Valec –
que o PT quer enfiar nos consórcios privados das próximas concessões. Com isso,
o país vai desperdiçando muito dinheiro e perdendo muitas oportunidades.
A falta de transporte sobre trilhos em direção aos portos da
região Norte, por exemplo, vai impedir que produtos brasileiros se aproveitem,
num primeiro momento, da ampliação do canal do Panamá, obra que vai
revolucionar a logística mundial. A ligação entre Açailândia, no Maranhão, e
Barcarena, no Pará, não sai do papel.
O governo Dilma bolou um plano ambicioso de logística, que
prevê investimentos de R$ 133 bilhões em até 30 anos, dos quais R$ 80 bilhões
no primeiro quinquênio. Mas da intenção aos fatos vai longuíssima distância e a
dificuldade dos petistas em definir regras equilibradas e transparentes para as
concessões está embarreirando o interesse dos investidores privados.
Um país com dimensões continentais como o Brasil não pode
prescindir da alternativa barata e competitiva das ferrovias. Há dinheiro e
apetite para investir nos trilhos, mas faltam equilíbrio e clareza de regras.
Ao insistir no trem-bala e deixar de lado os traçados de que o país realmente
necessita, o governo da presidente Dilma Rousseff dá mostra de que prefere embarcar
numa viagem de puro terror.
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