Pela proposta apresentada
ontem, o superávit primário, ou seja, a economia que o governo faz para pagar
parte dos juros da sua dívida, pode cair para 0,9% do PIB. Oficialmente, a meta
foi mantida em 3,1% do PIB, mas todo mundo já está cansado de saber que este compromisso
é de mentirinha. O governo agora se ocupou de deixar as brechas para desrespeitá-la já previamente autorizadas em lei.
A novidade da hora é
que o esforço que estados e municípios precisam fazer para compor o superávit global
poderá deixar de ter de ser compensado pelo governo federal. A mudança pode valer
já para o Orçamento deste ano. Só com isso, poderão ser torrados R$ 47,8
bilhões a mais até dezembro – num momento em que a economia se ressente do
excesso de demanda que alimenta a inflação.
O sistema atual também
já permite o abatimento de investimentos feitos em obras e ações do Programa de
Aceleração do Crescimento e das desonerações tributárias. São R$ 65 bilhões a
menos no superávit de 2013.
Tudo considerado, a
economia que o governo precisará fazer neste ano para pagar os juros e segurar
o crescimento da dívida pública poderá cair de R$ 156 bilhões para apenas R$ 43
bilhões, o que equivale a 0,9% do PIB.
Na melhor das
hipóteses, se estados e municípios surpreenderem e melhorarem seu desempenho fiscal
em relação a 2012 (quando produziram o pior resultado desde 1999), a economia
será de 1,5% do PIB, de acordo com o Valor Econômico.
“É mais um sinal de
que o viés da política fiscal continua a ser expansionista, além de outro
componente importante a pesar a favor da retomada do ciclo de aperto monetário”,
analisa o jornal. “O governo abriu caminho para um afrouxamento sem precedentes
da política de controle de gastos públicos adotada desde 1999”, sintetiza a Folha de S.Paulo.
Sem o reforço da redução
dos gastos públicos, o governo petista diminui mais ainda as já poucas alternativas
de que dispõe para enfrentar a escalada da inflação. Restará apenas o amargo
remédio do aumento da taxa básica de juros, que o Copom deve determinar na reunião
que começa hoje e vai até amanhã.
O descompromisso da
gestão petista com a solidez das contas públicas – e com seu impacto deletério sobre
a inflação – tem ficado cada vez mais evidente. Nos três últimos anos, as metas
fiscais foram descumpridas. Em 2012, só à custa de muita tortura contábil os
números confessaram o que o governo federal queria. “O processo orçamentário no
Brasil está piorando e o Executivo está ganhando um poder fenomenal de decidir
o que vai fazer”, resume
Mansueto Almeida.
Na realidade, o
orçamento público no país tem se transformado, cada vez mais, numa peça de ficção.
O governo federal lança mão de toda sorte de manipulações, executa-o a seu
bel-prazer – ou, melhor dizendo, não o executa – e acumula restos a pagar num
montante que já se configura um orçamento paralelo: R$ 178 bilhões neste ano.
O momento de inflação em alta exigia que
o governo Dilma reforçasse a transparência, demonstrasse clareza de
compromissos e, assim, tentasse recuperar um pouco da credibilidade perdida. Como
quem adora viver na corda bamba ou trilhar a contramão, a equipe econômica da presidente
fez tudo ao contrário, adicionando mais uma pitada de incerteza num horizonte já
turvo. Sobra irresponsabilidade e falta lucidez.
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