Ata do Comitê de Política Monetária (Copom) é um dos assuntos mais chatos que existe. Mas, diante do giro de 180 graus que o Banco Central exprimiu no documento divulgado ontem, comentá-la torna-se imperativo. Até porque a montanha de jargões usados pelos técnicos trata de um aspecto crucial para a vida de cada brasileiro: a inflação.
Nos últimos meses, o BC vem desempenhando importante papel
na guerra contra o descontrole dos preços. A autoridade monetária deixou de
lado uma postura dúbia e vacilante e passou a tratar a necessidade de domar
inflação com a dose de severidade que a situação exige.
Neste processo, promoveu quatro altas seguidas na taxa
básica de juros, fazendo a Selic saltar de 7,25% em março para 9% em agosto. E sinaliza
que o processo ainda deve continuar até lamber o patamar próximo a 10% ao ano.
Ao mesmo tempo em que o BC afiou suas garras de falcão, num
outro ponto de Brasília o Ministério da Fazenda deu asas à pomba dos gastos. Ao
esforço de um correspondeu a leniência do outro, na forma de esforços fiscais
cada vez mais frouxos, despesas correntes cada vez mais altas e investimentos
públicos cada vez mais minguados.
Apenas para se ter uma ideia: de janeiro a julho últimos, o aumento
da despesa primária do governo federal foi de R$ 57,8 bilhões em relação ao
mesmo período do ano passado, enquanto nestes mesmos sete meses o investimento cresceu
apenas R$ 26 milhões.
As mais recentes atas do Copom denunciavam discrepâncias
como estas. Apontavam o caráter “expansionista” da política fiscal e seu efeito
deletério sobre a inflação. Foi um momento de integridade do BC, que, pelo que
se revelou no texto divulgado ontem, luziu mais rápido do que raio em dia de céu
claro.
Agora, o pessoal do BC acha que a máquina de torrar dinheiro
que funciona no Ministério da Fazenda e arredores não colide com o controle da
inflação. No dizer dos técnicos, a política fiscal petista é condizente para
que “o balanço do setor público em posição expansionista se desloque para a
zona de neutralidade”. Ninguém entendeu tão radical guinada.
Entre julho e agosto, as condições fiscais do país não
apresentaram melhora alguma que justificasse a mudança do BC. O superávit feito
para pagar juros neste ano já será menor que o maquiado resultado de 2012. E,
pior, o de 2014 será ainda mais rasteiro, descendo ao patamar mais baixo em 12
anos, conforme proposta de Orçamento enviada
ao Congresso na semana passada.
Segundo Claudia Safatle, analista privilegiada do Valor Econômico, uma “leitura possível” da guinada das avaliações do BC “é
que o superávit primário já caiu o que o governo acha que podia cair”.
Do segundo semestre de 2012 até julho, o superávit primário caiu
praticamente à metade, de quase 3% do PIB para cerca de 1,5% do PIB. Assim, poderíamos
chamar o documento divulgado ontem pela autoridade monetária de “Ata Tiririca”:
pior do que está não fica. Será?
O mais importante são os efeitos que esta política zonza pode
ter sobre o controle da inflação, já que o BC é, institucionalmente, o guardião
da nossa moeda. Hoje de manhã saiu o IPCA de agosto, com alta de 0,24%. Embora
tenha vindo em linha com o estimado pelos analistas, o índice representa elevação
considerável em relação ao 0,03% registrado em julho.
No acumulado em 12 meses, o índice oficial de inflação passou
de 6,27% para 6,09%, segundo o IBGE.
Caiu, mas ainda é muito, muito alto para um país que cresce quase nada e tem
preços relevantes – como os da gasolina e da energia – crassamente manipulados pelo
governo. A inflação brasileira está bem acima dos padrões aceitáveis no mundo,
e muitíssimo distante da meta de 4,5%, que o BC disse ontem que só será
atingida daqui a dois anos...
Há um temor de que a nova visão expressa pelo Banco Central
indique que a espinha da autoridade monetária se dobrou diante de outras conveniências,
forçando a política monetária (juros) a dizer amém à política eleitoral. O risco,
com isso, é deixar de atacar com o ímpeto necessário o mal maior: a inflação
que a todos penaliza. Neste jogo, não há neutralidade possível.
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