É correto Dilma protestar contra intromissões indevidas de
bisbilhoteiros na vida do país. Merece solidariedade e apoio de todos os
brasileiros por isso. Mas daí a engolir seu discurso moldado pelo marketing e
orientado por pesquisas eleitorais vai distância tão longa quanto a que separa
as palavras da presidente das ações de seu governo.
O governo brasileiro encontrou um inimigo externo dos sonhos
com a descoberta das repugnantes atividades de espionagem levadas a cabo pela
agência norte-americana NSA no país. Brigar contra o “gigante imperialista” é
tudo o que uma administração pretensamente de esquerda mais quer. Dá votos e
ibope entre seus eleitores cegados por ideologia.
Mas se se preocupa tanto com a segurança nacional e se diz
tão precavida contra as ingerências indevidas, por que a gestão petista dá tão
pouca atenção a suas ações de inteligência? A execução do orçamento da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin) revela o pouco caso do governo com nossos
arapongas.
Da dotação da Abin para este ano, somente 11% destinam-se a
ações de inteligência. Quase a totalidade (87%) dos R$ 513 milhões de seu
orçamento serve para pagar pessoal, encargos, aposentadorias e pensões, de
acordo com a ONG Contas Abertas. Mesmo assim, apenas uma fração do dinheiro é efetivamente
empregada.
Em 2011, as ações de “inteligência federal” da Abin dispuseram
de R$ 370 milhões, segundo o Siafi. Mas apenas 12% deste valor foi utilizado
até hoje, já considerados os restos a pagar. Em 2012, a dotação para esta
rubrica caiu a R$ 9 milhões, dos quais 44% foram usados até agora. Em 2013, não
há dotação específica para ações de inteligência.
Além da pífia execução orçamentária, o marco institucional
de prevenção contra ações de espionagem no Brasil também não existe. Desde
novembro de 2010, o projeto de Política Nacional de Inteligência, que cria
diretrizes para o Estado brasileiro se prevenir de bisbilhotices, está prontinho,
mas parado no Planalto.
“Dilma faria melhor se buscasse equipar o Brasil contra
ataques cibernéticos. A presidente faz o oposto. (...) É mais fácil ler um
discurso feito pelo marqueteiro no teleprompter na ONU do que trabalhar duro em
casa”, comenta Fernando Rodrigues hoje na Folha de S.Paulo.
Depois que Dilma cancelou sua visita de Estado a Washington
e passou a se preparar para o discurso duro que ontem proferiu em Nova York, o
país já teve oportunidade de demonstrar efetivamente sua preocupação com a espionagem
e os ataques cibernéticos. Foi na sexta-feira passada, quando uma reunião da
cúpula de direitos humanos da ONU discutiu o assunto em Genebra.
Pois não é que nossa operosa diplomacia se fez representar
no colóquio por intermédio de um diplomata de segundo escalão que depois se fez
substituir por uma estagiária? “Nas duas horas de reunião a delegação
brasileira não pediu a palavra uma só vez e a estagiária se limitou a tomar
nota do que dizia cada um dos participantes”, revelou O Estado de S.Paulo no sábado. Enquanto isso, na mesma hora a embaixadora
do Brasil na ONU promovia um almoço para sua despedida do cargo...
A mesma incúria se nota nas ações do governo brasileiro em
relação à criação de um instrumento internacional para governança e uso da internet,
outra das propostas levantadas por Dilma na ONU ontem. Existe um fórum global
para tratar do tema, a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (ou WSIS, na
sigla em inglês), mas em dez anos o Brasil jamais formalizou qualquer proposta a
respeito, relata o Valor Econômico.
Ações de defesa cibernética também são desprezadas pelo
governo brasileiro, quando observadas pela ótica da execução orçamentária. Dos R$
90 milhões previstos neste ano para tal finalidade, somente 16% foram gastos até
agora. Pior é que a proposta orçamentária para 2014 prevê reduzir a dotação para tais
iniciativas: o valor deve cair para R$ 70 milhões, segundo o Contas Abertas.
Resta claro que o que mais interessava à presidente ontem na
ONU era o gesto, a demonstração de desagrado em relação à afronta patrocinada
pelo governo americano. Era, mais que isso, transformar aquela nobre tribuna em
palanque. Mas suas palavras diferem tanto de sua prática que Barack Obama e seu
estafe sequer se deram o trabalho de ouvir o que Dilma Rousseff dizia... Seria
melhor para o país que o governo brasileiro falasse menos e agisse mais.
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