A possibilidade decorre da hipótese de o STF acatar os
chamados “embargos infringentes”, que permitem nova apreciação de ação penal pelos ministros
nos casos em que o condenado teve pelo menos quatro votos favoráveis à absolvição.
Até ontem, quatro dos 11 ministros haviam se pronunciado
favoravelmente à aceitação dos embargos, embora estes não sejam previstos na
lei que regula os processos penais nos tribunais superiores (lei n° 8.038).
Dois deles – Joaquim Barbosa e Luiz Fux – foram contrários e os cinco restantes
se manifestarão na sessão de hoje.
Esdrúxula esta nossa Justiça. Os embargos infringentes não
valem para nenhum outro tribunal superior, mas apenas para o STF. Também não
valem para outros tipos de ação, para os quais, com base em seu regimento interno,
o Supremo já até rejeitou a hipótese, conforme argumentou Fux, sem sucesso, na
sessão de ontem.
Em consequência disso, por só valerem no Supremo e em mais
nenhuma outra instância da Justiça brasileira, os embargos infringentes só se
aplicarão – se de fato confirmados hoje – a um seleto grupo de réus: o presidente
e o vice-presidente da República, deputados federais, senadores, ministros de
Estado e o procurador-geral da República.
Aceitá-los equivale, portanto, a criar dois pesos e duas
medidas, como alerta Tânia Rangel, professora da FGV, n’O Globo: “Pela decisão do Supremo de ontem, para um grupo ‘privilegiado’
de pessoas, a decisão que prepondera é que há direito a um segundo julgamento.
Mas, para o restante da população, inclusive para outras autoridades, não.”
O duplo julgamento do mensalão pode livrar José Dirceu e sua
turma da cadeia, pois pode permitir a redução da pena e, com isso, que seu
cumprimento se dê em regime semiaberto. Dependendo da revisão, alguns crimes,
como o de formação de quadrilha, estarão até prescritos. Novamente: que Justiça
é esta?
Outro efeito perverso da decisão que o STF pode vir a
confirmar na sessão desta quinta-feira é abrir nova chance de julgamento aos
mensaleiros e a outras centenas de ações penais já julgadas pela corte, ao
mesmo tempo em que milhares de outros processos continuarão gramando por justiça
na fila de espera.
“Prevalece a noção de que todas as decisões do Judiciário
brasileiro devem ser revistas 4, 5, 6 vezes ou até mais. Essa tradição, e não a
lei, é responsável pela paralisação do Judiciário brasileiro”, escreve o também
professor da FGV Ivar Hartman na Folha de S.Paulo.
Já se dá de barato que, com mais uma chance de julgamento franqueada
aos mensaleiros, as sessões sobre o caso no Supremo se prolongarão pelo menos
até o fim do próximo ano, seguindo um penoso e extenso roteiro legal e
burocrático.
Se há algo positivo nisso é o fato de que a continuidade do
julgamento manterá ativa a vigilância da sociedade brasileira sobre a rede de
corrupção que tomou o Estado brasileiro de assalto nos últimos anos.
Mas, tudo considerado, pode acabar acontecendo aquilo que os
que clamam pelo triunfo da Justiça no país não gostariam de ver ocorrer: o fim
do julgamento do maior escândalo de corrupção da história política do Brasil e
a punição dos culpados serem jogados para as calendas gregas ou para o dia de
são nunca depois da chuva.
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