O cancelamento da visita de Estado que a presidente da
República faria a Washington em 23 de outubro atende muito mais às conveniências
políticas e ao jogo de cena do governo petista do que aos reais interesses do
país. Conflitos diplomáticos se resolvem na mesa de negociação e não em
reuniões de marketing.
Embora a manifestação oficial do governo brasileiro tenha
sido anunciada apenas ontem, desde sexta-feira a decisão estava tomada. Mas, ao
contrário do que se poderia esperar, não foi definida nos círculos mais altos
da nossa diplomacia ou do aparato estatal, mas sim numa reunião de líderes
políticos, marqueteiros e palpiteiros que auxiliam a presidente.
Conforme noticia a imprensa, Dilma resolveu cancelar sua ida
a Washington – seria a primeira visita de Estado de um presidente brasileiro ao
coração do poder norte-americano desde que Fernando Henrique Cardoso lá esteve
em 1995 – depois de ouvir Lula, João Santana e Franklin Martins. Só depois que
seus sábios opinaram, a presidente comunicou a decisão ao chanceler Luiz
Alberto Figueiredo.
Revela-se, em mais este episódio, como o PT trata questões
de Estado: com viés partidário, eleitoral e ideológico. Nada mais conveniente
para isso do que a criação de um inimigo externo que muita gente adora odiar. Na
lógica do marketing, vale mais a retórica do que a ação política capaz de
transformar desafios em oportunidades para o país.
A visita de outubro poderia servir muito para os interesses
brasileiros, principalmente num momento em que o país luta para recuperar a
confiança internacional e para atrair o – até agora inexistente – investimento
estrangeiro para seu bilionário programa de concessões de infraestrutura.
O empresariado brasileiro cita ainda outros temas que
poderiam ser destravados no encontro de cúpula, como a eliminação da
bitributação nas transações entre os dois países e a retirada do Brasil da
lista de observação das nações acusadas de pirataria. Depois de ontem, esta
agenda está, por ora, interditada.
A diplomacia brasileira também poderia aproveitar a
oportunidade para abrir mais espaço para produtos brasileiros no gigantesco
mercado americano. Somos um dos poucos países que mais compram do que vendem
aos EUA: o déficit acumulado desde 2009 já chega a US$ 33,5 bilhões, revertendo
saldo que chegou a ser positivo em quase US$ 10 bilhões em 2006.
Enfrentar e tentar equacionar problemas desta monta dá
trabalho e o PT não é muito chegado a isso. É sempre mais conveniente, para os
interesses eleitorais do partido, comprar uma boa briga, posar de defensor da
nação e não resolver absolutamente nada. Perde o país.
“A reclamação deve ter eficácia. O certo a se fazer seria
deixar o assunto nas mãos dos ministérios exteriores, levantar o tema em
organizações internacionais, como a presidente pretende fazer, e, até mesmo,
abordar isso abertamente durante a visita de Estado. Essa atitude seria mais
eficaz e mais constrangedora para o governo Obama”, receita o ex-embaixador
José Botafogo Gonçalves n’O Globo.
Condenar e repudiar as tentativas de espionagem, que ferem a
soberania da nação, era atitude correta e necessária. Mas tratar o problema com
a altivez que um país como Brasil deve ter era algo ainda mais premente. O
governo Dilma tinha excelente oportunidade para fazer uma defesa contundente de
valores com os quais os brasileiros comungam. Mas preferiu jogar para a plateia
e fugir da briga. Liderança não se proclama apenas, se exerce.
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