As revelações vêm sendo feitas a conta-gotas por meio de documentos
vazados por Edward Snowden, ex-prestador de serviços junto à inteligência
americana e atualmente asilado na Rússia. Primeiro foram ligações telefônicas a
granel, depois a arapongagem da própria presidente da República e agora a Petrobras.
Sabe-se lá o que mais ainda há para ser conhecido...
A reação do governo brasileiro vem sendo adequada, num tom incisivo,
que, ademais, poderia também ser empregado em outras tantas crises diplomáticas
por que vem passando nossa diplomacia. No caso de hermanos, contudo, nossa chancelaria acaba preferindo usar suas luvas
de pelica em lugar de defender os legítimos interesses do Brasil.
Na crise da espionagem, primeiro o governo brasileiro exigiu
explicações formais do embaixador americano em Brasília, Thomas Shannon – ora em
processo de remoção para Washington. Depois, Dilma Rousseff conversou sobre o
assunto com o presidente Barack Obama em São Petersburgo, na reunião do G-20. E
hoje o chanceler Luiz Alberto Figueiredo estará nos EUA para tratar do assunto
com Susan Rice, assessora-chefe de segurança nacional da Casa Branca.
Aguarda-se para amanhã uma manifestação formal do governo
americano sobre as ações de espionagem, que vêm sendo reveladas pelo Fantástico, da TV Globo. Dilma ameaça
cancelar a visita de Estado a Washington prevista para outubro, caso as explicações
prestadas não sejam suficientemente convincentes. Faz bem.
Entretanto, se na reação o governo brasileiro vem atuando corretamente,
na prevenção falhou redondamente. O Brasil não dispõe de um plano de
inteligência para prevenir ações de espionagem como as agora reveladas por
Snowden, como revelou Fernando Rodrigues em seu blog
na sexta-feira passada.
Há quase três anos está parado no Palácio do Planalto o
texto que cria a Política Nacional de Inteligência (PNI), marco legal que deve
orientar a atuação dos órgãos de inteligência do governo brasileiro. “Sem ela,
a atuação da inteligência brasileira fica sujeita a ações tomadas a quente
quando acontece algum problema”, escreve Rodrigues.
A criação da PNI foi definida na lei que deu origem à Abin, ainda
em 1999, durante o governo Fernando Henrique. Dez longos anos se passaram até que, em
março de 2009, uma proposta de política começou a ser elaborada no governo Lula
sob a coordenação da Casa Civil quando Dilma ainda era ministra da pasta.
O texto foi discutido em 40 reuniões, enviado ao Congresso e
lá aprovado. Retornou ao Planalto em novembro de 2010. Já com Dilma presidente,
foi ao Gabinete de Segurança Institucional e, desde então, está engavetado,
deixando o país sem as principais diretrizes sobre como o Estado brasileiro
deve prevenir ações de espionagem.
A revelação de que a Petrobras foi alvo da bisbilhotice
americana também joga um facho de preocupação sobre o megaleilão do pré-sal
previsto para o próximo dia 21 de outubro. Sabe-se que tão gigantescas reservas
– equivalentes a entre 8 e 12 bilhões de barris de petróleo – são estratégicas para
toda a geopolítica mundial. Agora também podem estar em jogo tecnologias para exploração
em águas profundas e possíveis negócios da estatal brasileira.
Já é uma temeridade o Brasil colocar em oferta de uma só
tacada o equivalente à metade de suas reservas de petróleo. Nas atuais condições,
sob suspeita de que dados confidenciais podem estar sendo ilegalmente usufruídos
por alguns competidores, a realização do leilão – neste momento – torna-se
ainda menos recomendável. Mas o governo petista alega que precisa dos bilhões do
pré-sal para fechar suas contas de curto prazo...
Quando os primeiros atos de espionagem foram revelados, os
EUA alegaram tratar-se de ações de combate a ameaças terroristas. Vê-se agora
que são muito mais que isso. Nada, porém, justifica que o Brasil, democrático e
pacífico, possa ser considerado um país com alguma dose de ameaça à segurança
mundial, enquadrado na categoria de nação inimiga ou problemática. Nem mesmo
nossa errática diplomacia companheira.
iEste
e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão
disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela
Nenhum comentário:
Postar um comentário