Cinquenta anos
atrás, o Brasil mergulhou numa longa noite que durou 21 anos e só terminou
depois de muita luta e resistência do povo brasileiro. A experiência vivida com
a ditadura militar marca nossa história contemporânea e colabora para reforçar o
compromisso de nossa gente com a democracia, valor mais caro para o progresso e
a solidez de uma nação.
Em 31 de março de 1964,
o presidente João Goulart foi deposto, dando início a um período de privação
das liberdades civis, cerceamento das manifestações políticas, agigantamento
das atribuições do Estado e forte controle do governo sobre a atividade
econômica. O fosso da desigualdade social também se agigantou.
Superar a ditadura
militar e restaurar o regime democrático no país exigiu uma luta cotidiana,
travada dentro do sistema e fora dele. Muitos ficaram pelo caminho. Mas a
crença no princípio essencial da democracia manteve as forças políticas ativas,
persistindo e atuando para restaurá-la entre nós, o que acabou acontecendo em
1985 a partir da eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral.
Nestes quase 30 anos
desde então, o Brasil renovou sua profissão de fé na democracia, restaurou as
liberdades, começou a resgatar sua dívida social e construiu um ambiente capaz
de transformar nossa economia, orientada pelo mercado, numa das sete maiores do
mundo. O caminho, porém, foi coalhado de percalços que se refletem ainda hoje.
Nesta trajetória, o
país ganhou uma Constituição cidadã que definiu os contornos do Estado de
bem-estar social que construímos desde então e que, a cada passo, assegura vida
mais digna a parcelas cada vez maiores da sociedade. Avanços progressivos vêm
tornando o Brasil uma nação mais próspera e, ao mesmo tempo, mais justa.
A superação do longo
período de arbítrio também envolveu a reconstrução de um ambiente econômico
mais saudável, mais previsível e competitivo. A ditadura militar não apenas nos
cerceou as liberdades, como também nos legou um processo hiperinflacionário só
debelado no governo Fernando Henrique, com o Plano Real, após várias tentativas
infrutíferas.
A construção do
Brasil que hoje somos também envolveu a redefinição do papel do Estado e sua
modernização, abrindo áreas importantes à participação do capital privado, a
reorganização das finanças públicas, a abertura e integração do país à economia
globalizada. Trata-se, como é fácil perceber, de longo e persistente processo
de avanços incrementais, construção coletiva, obra de muitos.
Alguns, porém,
tentam se apropriar desta história que é de milhões e posar como únicos heróis
da reconquista democrática. Tem gente que acha que o Brasil foi descoberto
ontem, ou, mais precisamente, 11 anos e pouco atrás, numa atitude de desdém e
desrespeito em relação aos muitos que participaram da longa e demorada construção
do país que hoje temos.
Pior ainda é ver que
equívocos cometidos pelos governos militares são hoje repetidos por quem parece
não ter aprendido as lições da história. Na economia, receitas que falharam
voltam a ser tentadas, para novamente fracassarem. É o caso das intervenções no
mercado, das maquiagens contábeis, das tentativas de manipulação da inflação,
da ressurreição de um Estado balofo e intervencionista, ensimesmado e fechado
ao resto do mundo.
Hoje no comando do
país, o PT, que tanto criticou o regime militar, e que tem entre seus líderes
alguns dos que também resistiram à ditadura, hoje reproduz as mesmas
estratégias do Brasil Grande. Tenta, da mesma forma, silenciar as críticas e
embotar a percepção da população por meio de espessa propaganda ufanista.
Também, e de forma
reiterada, afronta instituições, privilegia interesses corporativistas ao invés
de respeitar direitos republicanos. Desvirtua a independência entre os poderes
e subjuga a federação, afetando-lhes a legitimidade. Colabora, assim, para
minar a confiança e, com ela, a crença dos cidadãos brasileiros num futuro mais
justo, equilibrado e venturoso.
“Estamos nos
aproximando de uma situação delicada. Uma coisa são as flutuações econômicas,
outra coisa é a paralisação da administração e do sistema político. (...) Corremos
riscos. Um deles é a perda da capacidade de olhar o futuro e tomar decisões. As
demandas estão crescendo, o Estado não toma decisões, não entende que boa parte
do que faz pode ser passado para o setor privado, e faltam lideranças. Eu diria
que, hoje, não temos o que ensinar sobre democracia. Temos é que aprender”,
sintetizou Fernando Henrique em entrevista a’O Estado de S. Paulo.
Uma nação que quer
ser grande deve aprender as lições da história. Deve ter humildade para
compreender que o futuro se constrói com árduo trabalho no presente e com
respeito pelos que lutaram pelo bem comum no passado. O Brasil dos dias atuais
não tem sido um país à altura daqueles que, com sua dedicação cotidiana,
ajudaram a superar uma ditadura que nos afundou em duas décadas de trevas. Está
na hora de a luz voltar a brilhar.
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